Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 19 de julho de 2008

AUGUSTO DOS ANJOS


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Augusto dos Anjos



VOZES DA MORTE

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

OSCAR WILDE

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Oscar Wilde

O DISCÍPULO

Quando Narciso morreu, a taça de água doce que era o lago dos seus prazeres converteu-se em taça de lágrimas amargas e as Oréadas vieram carpindo pelos bosques a fim de cantar para ele, consolando-o.

E, quando perceberam que o lago se transmudara de taça de água doce noutra de lágrimas amargas, desgrenharam as tranças verdes dos seus cabelos e disseram:

- Não nos admiramos de que pranteeis Narciso dessa maneira. Ele era tão belo!
- Narciso era belo? - indagou o lago.
- Quem sabe melhor do que vós? - responderam as Oréadas. Ao cortejar-vos, ele nos desprezava, debruçado às vossas margens mirando-vos, e, no espelho de vossas águas, contemplava a própria beleza.

E o lago retrucou:

- Eu amava Narciso porque, quando ele se debruçava sobre as minhas margens para contemplar-me, eu via sempre refletir-se no espelho dos seus olhos a minha própria beleza.


Tradução de Dilermando Duarte Cox

NARCISO

Eco e Narciso. John William Waterhouse (1903). Liverpool, Walker Art Gallery.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

PAUL VALÉRY



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Paul Valéry


O BOSQUE AMIGO

Nós pensávamos coisas bem puras
Lado a lado, em longas caminhadas;
Nossas mãos estavam entrelaçadas
Sem fala... entre flores obscuras.

Íamos sonhadores e ausentes
Sós, na noite verde das pradarias,
Partilhando o fruto das fantasias,
A lua companheira dos dementes.

E depois nós morremos sobre o relvado,
Longe, perdidos no bosque habitado
Por um murmúrio afável e brando

E no luzir do infinito ócio
Tornamos a nos encontrar chorando
Ó doce companheiro de silêncio.


Tradução de Paulo Azevedo Chaves

GANIMEDES



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O rapto de Ganimedes, de Rubens

quarta-feira, 16 de julho de 2008

WILLIAM BLAKE

A ROSA ENFERMA

Ó, rosa, como estás mal!
O verme invisível
Que voa na noite
No vendaval terrível

Encontrou teu leito
De rubro prazer
E seu amor negro, secreto,
Faz tua vida fenecer.


Tradução de Paulo Azevedo Chaves

ANDRÔMEDA


Fonte: helenismo.googlepages.com/mitologiaearte.htm
Andrômeda, Gustavo Dore

terça-feira, 15 de julho de 2008

GUILLAUME APOLLINAIRE

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Guillaume Apollinaire

EU NÃO SEI MAIS


Eu não sei mais se ainda lhe tenho amor
Nem se o inverno conhece o meu pecado
O céu é hoje um pesado cobertor
E meus amores por eu tê-los ocultado
Perecem dentro de mim mesmo de amor


Tradução de Paulo Azevedo Chaves

segunda-feira, 14 de julho de 2008

APOLO E DAFNE


Apolo e Dafne, óleo sobre tela, John William Waterhouse, 1908

PAUL VERLAINE

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Paul Verlaine
COLÓQUIO SENTIMENTAL

Num parque solitário e gelado
Um casal caminhava apressado.

O olhar era vazio, cada boca, uma cava,
E o que diziam bem mal se escutava.

Num parque solitário e gelado
Dois vultos relembravam o passado.

- Lembras-te do nosso amor, amigo?
- Tolice... algo já tão antigo.

Nada restou de tua paixão?
Nunca pensas em mim? – Não.

- O êxtase era indescritível
A cada beijo. – É possível.

- O céu era claro, parecia belo o futuro.
- O futuro envileceu, o céu ficou escuro.

Assim iam eles, pelas áleas, de olhar fito.
E só a noite escutou o que foi dito.


Tradução de Paulo Azevedo Chaves

domingo, 13 de julho de 2008

Édipo e a Esfinge, Jean Auguste Dominique Ingres, 1808

EMILY DICKINSON

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Emily Dickinson

Meu rio corre até ti:
Mar azul, aceitas-me?
Meu rio espera resposta.
Ó mar, vê se me gostas.
Eu te trarei regatos
De escondidos regaços –
Dize, mar, vais-me levar?


Tradução de Aíla de Oliveira Gomes