
Pandora (1882), de Jules Joseph Lefebvre.
Philippe Desportes (1546-1606)
SONETO AO SONO
Sono, filho gentil da noite solitária,
Dos animais sustento e pai dispensador,
Doce olvido dos males, gracioso encantador
E, de almas em tristeza, a cura necessária.
Porque tua vontade, dócil, me é contrária,
Deus, que só a mim vês sofrendo maior dor
Quando os corcéis da noite os céus vão a transpor
E enquanto aos outros dás tua graça ordinária?
Teu silêncio onde está? tua paz, teu descanso
E esses sonhos sem fim, nuvens que não alcanço
E que lavam num mar de olvido os pensamentos?
Ó sono, irmão da morte, assim me és inimigo!
Chamo por ti, em vão, que estás adormecido,
E ardo, sempre velando, em frígidos tormentos.
Tradução de A. Herculano de Carvalho
Louise Labé (1526(?)-1566)
SONETO
Belos olhos que fingem não me ver
Mornos suspiros, lágrimas jorradas
Tantas noite em vão desperdiçadas
Tantos dias que em vão vi renascer;
Queixas febris, vontades obstinadas
Tempo perdido, penas sem dizer,
Mil mortes me aguardando em mil ciladas
Que o destino me armou por me perder.
Risos, fronte, cabelos, mãos e dedos
Viola, alaúde, voz que diz segredos
À fêmea em cujo peito a chama nasce!
E quanto mais me queima, mas lamento
Que desse fogo que arde tão violento
Nem uma só fagulha te alcançasse.
Traducão de Sergio Duarte
Gérard de Nerval
Mauro Mota
Caverna das ninfas da tempestade, de Sir Edward John Poynter
Ascenso Ferreira
MÊS DE MAIO
O altar de gazes adornado,
parece um ninho de noivado...
E a gente chega a interrogar
se Nossa Senhora vai casar...
Um perfume de rosas no ar trescala:
- São as rosas de carne que há na sala.
Rosas morenas,
rosas louras como espigas maduras.
- Ó perfumosas
e puras
rosas pálidas como açucenas!
Súbito, ecoa no espaço um som:
Kirie eleison... Kirie eleison...
E as bocas carminadas rezam baixinho...
baixinho:
"Ó Mãe castíssima!
Ó Vaso espiritual!
Ó Espelho da Justiça!
Ó Rainha concebida sem pecado original!
Ó Consolação dos aflitos!
Ó Senhora dos Infinitos!
Ó Torre de Davi!
Ó Estrela da Manhã!
Ó Escada de Jacó!
Ó Rosa de Sião!
Ó Lírio de Jericó!
Ó Rainha Cristã!
Ó!...
Rogai por nós
que recorremos a vós..."
Um perfume de rosas no ar trescala.
- São as rosas de carne que há na sala.
O incenso queima diante do altar;
o mês de maio vai terminar...
Com seus deliciosos braços nus,
as rosas fazem o sinal-da-cruz...
Amém...