Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sexta-feira, 8 de maio de 2009

BACO E ARIADNE



wikimedia

Baco e Ariadne, de Sebastiano Ricci

ROBERT FROST


reprodução

Robert Frost



A ESTRADA NÃO TRILHADA

Num bosque, em pleno outono, a estrada bifurcou-se,
mas, sendo um só, só um caminho eu tomaria.
Assim, por longo tempo eu ali me detive,
e um deles observei até um longe declive
no qual, dobrando, desaparecia...

Porém tomei o outro, igualmente viável,
e tendo mesmo um atrativo especial,
pois mais ramos possuía e talvez mais capim,
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
os tivesse marcado por igual.

E ambos, nessa manhã, jaziam recobertos
de folhas que nenhum pisar enegrecera.
O primeiro deixei, oh, para um outro dia!
E, intuindo que um caminho outro caminho gera,
duvidei se algum dia eu voltaria.

Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela que mais ínvia me pareceu,
e foi o que fez toda a diferença.

Tradução de Renato Suttana

quarta-feira, 6 de maio de 2009

PÁRIS, HERA, ATENA E AFRODITE

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Páris escolhe a deusa mais bela, de Peter Paul Rubens

MICHEL DEGUY


AFRODITE COLEGA

Moderna anadiómena dos lavabos bela
a botticelliana num grande ruído de descarga
enquadra-se na porta verde retocando loira
à luz eléctrica a trança a onda
e com uma manga glabra de pull-over
puxa a saia até ao ilíaco

Tradução de Urbano Tavares Rodrigues

terça-feira, 5 de maio de 2009

VULCANO E MAIA

wikimediaVulcano e Maia, de Bartholomäus Spranger

GEORG TRAKL


A TEMPESTADE

Vós, montanhas selvagens, das águias
Sublime luto. Nuvens douradas
Fumegam sobre pétreo ermo.
Paciente quietude respiram os pinheiros,
As negras ovelhas junto ao abismo,
Onde súbito o azul
Estranhamente emudece,
O brando zumbido dos zangões.
Ó flor verde
Ó silêncio.

Como em sonho estremecem da torrente selvagem
Escuros espíritos o coração,
Trevas,
Que sobre as gargantas irrompem!
Brancas vozes
Errantes pelos átrios lúgubres,
Terraços destroçados,
Dos pais poderoso rancor, o lamento
Das mães,
Do menino o áureo grito de guerra
E o não-nascido
Gemendo de olhos cegos.

Ó dor, flamejante visão
Da grande alma!
Já estremece na negra confusão
De corcéis e carruagens
Um raio róseo pavoroso
No pinheiro ressoante.
Frescor magnético
Envolve esta cabeça orgulhosa,
Incandescente melancolia
De um deus irado.

Medo, tu ó serpente venenosa,
Negra, morra nas pedras!
Precipitam-se das lágrimas
As correntezas bravias,
Tempestade-misericórdia,
Ecoam em trovões ameaçadores
Os nevados cumes em volta.
Fogo
Purifica noite destroçada.

Tradução de Modesto Carone Netto