Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 25 de abril de 2009

ATENA, HERA E AFRODITE


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As três deusas Atena, Hera e Afrodite, de Franz von Stuck

KONSTANTINOS KAVÁFIS


MUROS

Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar,
ergueram à minha volta altos muros de pedra.

E agora aqui estou, em desespero, sem pensar
noutra coisa: o infortúnio a mente me depreda.

E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.

Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora.
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.

Tradução de José Paulo Paes

sexta-feira, 24 de abril de 2009

PÁRIS


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A decisão de Páris, de Max Klinger

BASÍLIO DA GAMA


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Basílio da Gama


O URAGUAI

Canto Primeiro

(excerto)


Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.
Musa, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!
E Vós, por quem o Maranhão pendura
Rotas cadeias e grilhões pesados,
Herói e irmão de heróis, saudosa e triste
Se ao longe a vossa América vos lembra,
Protegei os meus versos.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

ATENA E HEFESTO



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Atena desprezando as investidas de Hefesto, de Paris Bordone

DYLAN THOMAS


NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Tradução de Ivan Junqueira

quarta-feira, 22 de abril de 2009

HEBE


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Hebe (1826), de Charles Picqué

MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA


A UM GRANDE SUJEITO INVEJADO E APLAUDIDO

Temerária, soberba, confiada,
Por altiva, por densa, por lustrosa,
A exalação, a névoa, a mariposa,
Sobe ao sol, cobre o dia, a luz lhe enfada.

Castigada, desfeita, malograda,
Por ousada, por débil, por briosa,
Ao raio, ao resplendor, à luz formosa,
Cai triste, fica vã, morre abrasada.

Contra vós solicita, empenha, altera,
Vil afeto, ira cega, ação perjura,
Forte ódio, rumor falso, inveja fera.

Esta cai, morre aquele, este não dura,
Que em vós logra, em vós acha, em vós venera,
Claro sol, dia cândido, luz pura.

terça-feira, 21 de abril de 2009

PÁRIS

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Páris, de Anthonis van Dyck

PAUL CELAN


CHOUPO...

Choupo, a tua folhagem espreita, branca, na escuridão.
O cabelo da minha mãe nunca enbranqueceu.

Dente-de-leão, assim tão verde é a Ucrânia.
A minha loura mãe não voltou a casa.

Nuvem de chuva, demoras-te na fonte ?
A minha silenciosa mãe chora por todos.

Estrela redonda, tu engoles o laço dourado.
O coração da minha mãe foi ferido pelo chumbo.

Porta de carvalho, quem te ergueu dos gonzos?
A minha doce mãe não pode voltar.

Tradução de Luís Costa

segunda-feira, 20 de abril de 2009

PALAS ATENA

reprodução
Palas Atena, de Gustav Klimt

GEORG TRAKL


LAMENTO

Sono e morte, as tenebrosas águias
Rodeiam a noite inteira essa cabeça:
A imagem dourada do Homem
Engolida pela onda fria
Da eternidade. Em medonhos recifes
Despedaça-se o corpo purpúreo
E a voz escura lamenta
Sobre o mar.
Irmã de tempestuosa melancolia
Vê, um barco aflito afunda
Sob estrelas,
Sob o rosto calado da noite.

Tradução de Claudia Cavalcanti