Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 18 de abril de 2009

CUPIDO E PSIQUÊ


reprodução

Cupido e Psiquê, de Edward Burne-Jones

WISLAWA SZYMBORSKA


reprodução

Wislawa Szymborska


O TERRORISTA, ELE OBSERVA

A bomba explodirá no bar às treze e vinte.
Agora são apenas treze e dezesseis.
Alguns terão ainda tempo para entrar;
alguns, para sair.
O terrorista já está do outro lado da rua.
A distância o protege de qualquer perigo.
E, bom, é como assistir a um filme.
Uma mulher de casaco amarelo, ela entra.
Um homem de óculos escuros, ele sai.
Jovens de jeans, eles conversam
Treze e dezessete e quatro segundos.
Aquele mais baixo, ele se salvou, sai de lambreta.
E aquele mais alto, ele entra.
Treze e dezessete e quarenta segundos.
A moça ali, ela tem uma fita verde no cabelo.
Mas o onibus a encobre de repente.
Treze e dezoito.
A moça sumiu.
Era tola o bastante para entrar, ou não?
Saberemos quando retirarem os corpos. Treze e dezenove.
Ninguém mais parece entrar.
Um careca obeso, no entanto, está saindo.
Procura algo nos bolsos e
às treze e dezenove e cinqüenta segundos
ele volta para pegar suas malditas luvas. São treze e vinte.
O tempo, como se arrasta
É agora.
Ainda não.
Sim, agora.
A bomba, ela explode.

Tradução do inglês de Nelson Ascher

sexta-feira, 17 de abril de 2009

HESPÉRIDES

reprodução
O Jardim das Hespérides, de Edward Burne-Jones

HERMANN HESSE


reprodução

Hermann Hesse

POEMA DOS DEGRAUS

Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florescem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver

Serenos transpúnhamos o espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar;
Sermos corrente ou parada não quer o
espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Apenas nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.

Talvez também a hora da morte
Nos lance, jovens, para novos espaços,
O apelo da Vida nunca tem fim...
Vamos, Coração, despede-te e cura-te!

Tradução de Carlos Leite

quarta-feira, 15 de abril de 2009

BACANAL


wikimedia

Bacanal – gravura (1470 ca.), de Andrea Mantegna

MARIANNE MOORE


OS PEIXES

vade-
ando negro jade.
Das conchas azul-corvo um marisco
só ajeita os montes de cisco;
no que vai se abrindo e fechando

é que
nem ferido leque.
Os crustáceos que incrustam o flanco
da onda ali não encontram canto,
porque as setas submersas do

sol,
vidro em fibras sol-
vidas, passam por dentro das gretas
com farolete ligeireza —
iluminando de vez em

vez
o oceano turquês
de corpos. A correnteza crava
na quina férrea da fraga
uma cunha de ferro; e estrelas,

grãos
de arroz róseos, mães-
d'água tintas, siris que nem lírios
verdes e fungos submarinos
vão deslizando uns sobre os outros.

As
marcas externas
de mau-trato estão todas presentes
neste edifício resistente —
todo resquício material

de a-
cidente — ausência
de cornija, machadadas, queima e
sulcos de dinamite — teima em
ressaltar; já não é o que era

cova.
Repetida prova
demonstrou que ele pode viver
do que não pode reviver
seu viço. O mar nele envelhece.

Tradução de José Antonio Arantes

terça-feira, 14 de abril de 2009

JÚPITER E JUNO


wikimedia

Júpiter e Juno, de Annibale Carracci

RAINER MARIA RILKE


DOS SONETOS DO ORFEU

Músculo de flor, que abres a anêmona
quando os prados a manhã abrasa,
até que em seu seio a polifônica
luz dos céus sonoros extravasa;

na silenciosa flor-estrela,
da eterna acolhida o tenso músculo
tão cansado às vezes de movê-la
que, à voz de descanso do crepúsculo,

custas a recolher um por um dos
pétalos arriados para trás:
tu, força e intenção de tantos mundos!

Nós, brutos, vivemos muito mais...
E quando estaremos, em que vida
– abertos, enfim, para a acolhida?

Tradução de Geir Campos

segunda-feira, 13 de abril de 2009

HELENA DE TROIA


reprodução

Helena de Troia, de Dante Gabriel Rossetti

GEORG TRAKL


A BELA CIDADE

Velhas praças silenciam ensolaradas.
Profundamente enredadas em azul e ouro
Suaves freiras sonhadoramente se apressam
Sob o silêncio de faias sufocantes.

Das igrejas pardamente iluminadas
Olham as puras imagens da morte,
Belos brasões de grandes príncipes.
Coroas cintilam nas igrejas.

Corcéis emergem da fonte.
Garras de botões ameaçam das árvores.
Meninos, confusos de sonhos, brincam
Silenciosos, ao anoitecer, junto à fonte.

Moças estão em pé junto aos portões,
Olham tímidas para a vida colorida.
Seus lábios úmidos tremem
E elas aguardam junto aos portões.

Sons de sino esvoaçam trêmulos,
Ressoam o compasso de marcha e os brados da guarda.
Estranhos escutam sobre os degraus.
Altos no azul há sons de órgão.

Claros instrumentos cantam.
Pela moldura de folhas dos jardins
Vibra o riso de belas senhoras.
Jovens mães cantam baixinho.

Furtivamente bafeja junto às janelas floridas
Perfume de incenso, alcatrão e lilás.
Argênteas tremem pálpebras cansadas
Através das flores junto às janelas.

Tradução de Modesto Carone Netto

domingo, 12 de abril de 2009

BACO E ARIADNE


wikimedia

Baco e Ariadne (1578), de Jacopo Tintoretto

ELIZABETH BISHOP


CANTO

III

(ACALANTO)


Borboleta.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.

Borboleta.
Deixa as nações brigarem
deixa as nações caírem.
A grade sombreada do berço é uma gaiola
sobre a parede.

Borboleta.
Durma sem parar,
que a guerra vai acabar.
Solta a inofensiva boneca tua
e agarra a lua.

Borboleta.
Se eles disserem
que não tens juízo
não te alteres, é um julgamento
bem impreciso.

Borboleta.
Adulto e criança
afundam em seu descanso.
No mar o navio afunda, desaparece,
chumbo em seu regaço.

Tradução de Horácio Costa