Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 11 de outubro de 2008

NETUNO E ANFITRITE


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O Triunfo de Netuno e Anfitrite, de Nicolas Poussin.
The George W. Elkins Collection, Philadelphia Museum of Art

PAUL CELAN


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Paul Celan


DISTÂNCIAS

Olho no olho, no frio,
deixa-nos também começar assim:
juntos
deixa-nos respirar o véu
que nos esconde um do outro,
quando a noite se dispõe a medir
o que ainda falta chegar
de cada forma que ela toma
para cada forma
que ela a nós dois emprestou.


ERRÁTICO

As noites se fixam
sob teu olho. As sílabas re-
colhidas pelos lábios — belo,
silencioso círculo —
ajudam a estrela rastejante
em seu centro. A pedra,
um dia perto da fronte, abre-se aqui:
ante todos os
espalhados
sóis, alma,
estavas, no éter.

Tradução: Claudia Cavalcanti

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

MIDAS E BACO


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Midas e Baco, de Nicolas Poussin

LÉOPOLD SÉDAR SENGHOR


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Léopold Sédar Senghor

MÁSCARA NEGRA

A Pablo Picasso

Ela dorme e repousa sobre a candura da areia
Kumba Tam dorme. Uma palma verde vela a febre dos cabelos, a fronte curva cobre
As pálpebras fechadas, corte duplo e fontes seladas.
Esse estreito crescente, este lábio mais negro e até pesado
– onde o sorriso da mulher cúmplice?
As patenas das faces, o desenho do queixo cantam o acordo mudo.
Rosto de máscara fechado ao efêmero, sem olhos sem matéria
Cabeça de bronze perfeita e sua pátina de tempo
Que não suja ruge nem rubor nem rugas, nem marcas de lágrimas nem de beijos
Oh rosto tal como Deus te criou antes da própria memória das eras
Rosto do amanhecer do mundo não te abra como um colo terno para emocionar a minha carne.
Eu te adoro, oh Beleza, com meu olho monocórdio!

Tradução: Leo Gonçalves

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

AIMÉ CÉSAIRE


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Aimé Césaire


PARA DIZER…

para revitalizar o rugido das fosfenas
o âmago oco dos cometas

para reavivar o verso solar dos sonhos
sua lactância
para ativar o fresco fluxo das seivas a memória dos silicatos

fúria dos povos sumidouro dos deuses seu salto
esperar a palavra seu ouro sua orla
até a ignífera
sua boca

Tradução: Leo Gonçalves

terça-feira, 7 de outubro de 2008

DAFNE


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Dafne, a Sibila délfica. Afresco de Michelangelo na Capela Sistina

AUTA DE SOUZA


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Auta de Souza



CAMINHO DO SERTÃO

A meu irmão João Cancio

Tão longe a casa!... Nem sequer alcanço
Vê-la, através da mata. Nos caminhos,
A sombra desce... E, sem achar descanso,
Vamos, nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite, já! Como, em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas... Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece,
Que a Noite ensina ao desespero e à dor...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva,
Turíbulo imenso, para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

BACO


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A Juventude de Baco (1884), de William-Adolphe Bouguereau

CÉSAR LEAL


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César Leal


ANÁLISE DA SOMBRA

Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.

E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.

Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago

da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.

Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.

domingo, 5 de outubro de 2008

DRÍADE


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A Dríade, de Evelyn De Morgan

LÉON LALEAU


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Léon Laleau


CANIBAL

o desejo selvagem, o ardor,
de misturar o sangue e as feridas
aos gestos e caretas do Amor
e de achar, debaixo das mordidas
que perpetuam o sabor dos beijos,
os soluços da amante e os seus ais…
ah! rudes e intranqüilos desejos
de meus antepassados canibais…

Tradução: Leo Gonçalves