Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 6 de setembro de 2008

CÉSAR VALLEJO

wikimedia commons
César Vallejo

OS ANÉIS FATIGADOS

Há ânsias de voltar, de amar, de não ausentar-se,
e há ânsias de morrer, combatido por duas
águas unidas que jamais hão-de istmar-se.

Há ânsias de um beijo enorme que amortalhe a Vida,
que acaba na áfrica de uma agonia ardente,
suicida!

Há ânsias de... não ter ânsias, Senhor,
a ti aponto-te com o dedo deicida:
há ânsias de não ter tido coração.

A primavera volta, volta e partirá. E Deus,
curvado em tempo, repete-se, e passa, passa
carregando a espinha dorsal do Universo.

Quando as têmporas tocam seu lúgubre tambor,
quando me dói o sonho gravado num punhal,
há ânsias de ficar plantado neste verso!

Tradução de José Bento

ADÔNIS


fonte: danielmoreira08.blogspot.com

Adonis, de James Northcote

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

DYLAN THOMAS

divulgação
Dylan Thomas

MORTES E ENTRADAS

Quase às vésperas incendiárias
De várias mortes próximas,
Quando alguém ante os despojos de quem mais amaste,
E desde sempre conhecido, tenha de abandonar
Os leões e as flamas de sua volátil respiração,
Quem dentre os teus amigos imortais
Elevaria o som dos órgãos do pó inventariado
Para lançar e cantar os teus louvores,
O que mais fundo os invocasse conquistaria a sua paz
Que não pode se afogar ou se esvair
Sem fim junto à sua chaga
Nas muitas e alienantes dores
conjugais de Londres.

Quase às vésperas incendiárias
Quando diante de teus lábios e chaves,
Fechando, abrindo, se entrelacem os estranhos assassinados,
Aquele que é o mais desconhecido,
Teu vizinho, a estrela polar, sol de uma outra rua,
Mergulhará em tuas lágrimas.
Ele há de banhar teu sangue chuvoso no másculo oceano
Que percorrerá teu próprio morto
E fará girar sua esfera fora de teu fio de água
E entupirá as gargantas das conchas
Com todos os gritos desde que a luz
Começou a jorrar através de seus olhos tonitruantes.

Quase às vésperas incendiárias
De mortes e entradas,
Quando próximo e estranho, ferido nas ondas de Londres,
Hajas procurado a tua tumba solitária,
Um inimigo entre muitos, que bem sabe
Como cintila o teu coração
Nas trevas vigiadas, pulsando entre furnas e ferrolhos,
Arrancará os raios
Para tapar o sol, mergulhará, galgará tuas teclas sombrias
E fará definhar os ginetes para que recuem,
Até que aquele despojo adorado
Avulte como o último Sansão de teu zodíaco.

Tradução de Ivan Junqueira

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

terça-feira, 2 de setembro de 2008

AUDÁLIO ALVES


interpoética

Audálio Alves


INICIAÇÃO À ETERNIDADE

Entre o Sol e a Lua
e, mais,
entre o chão que me segura
e o espaço que me veste,
aqui inicio
esta aula celeste:
- Olhem-me nos olhos:
conservem a inteireza do silêncio.
Lembrem-se de Deus
e sigam-me
em direção ao infinito.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

CONDESSA DE NOAILLES


Condessa de Noailles, em pintura de Ignacio Zuloaga



IMAGEM

Meu pobre fauno moribundo
Reflete-me no teu olhar,
E entre as sombras do outro mundo
Minha memória faz dançar.

Vai, e dize aos mortos celestes,
A quem, decerto, eu agradara,
Que os lembrarei sob os ciprestes,
Por onde vou, franzina e clara.

Hás-de contar-lhes esta fronte,
Com seus bandeletes de lã,
A boca estreita e os dedos, onde
Há cheiro a feno e a hortelã.

Fala em meus gestos singulares
Deslizando tal qual a sombra
Que balanceiam nos pomares
As folhas vivas e sem conta.

Dirás aquilo que em mim arde,
Nas minhas pálpebras pesando,
E que ao dançar, a brisa, à tarde
Vai-me o vestido desmanchando.

Dirás que assim em me reclino
Sobre os braços nus e que, cheias,
Na minha carne de oiro fino,
Cor de violeta são as veias.

Dize-lhes que são meus cabelos
Dum azul de fruto a amadurar;
Alvos, meus pés são dois espelhos
E tenho os olhos cor de luar.

E diz que em noites de langor,
Deitada à beira das nascentes,
Eu abracei, de puro amor,
Suas sombras inconsistentes.

Tradução de A. Herculano de Carvalho