Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 17 de maio de 2008

SYLVIA PLATH

LORELEI

Não existe nenhuma noite para nos afogarmos:
lua cheia, um rio correndo
negro sob um suave reflexo de espelho.

névoas azuis da água gotejando
de malha para malha como redes de pesca
embora os pescadores durmam.

torres sólidas do castelo
multiplicando-se num espelho
todo ele silêncio. Mas estas formas flutuam

em minha direcção, peturbando o rosto
da quietude. Do nadir
erguem os seus membros plenos

de opulência, cabelos mais pesados
que o mármore esculpido. Cantam
um mundo mais cheio e límpido

do que aquele que existe. Irmãs, a vossa canção
traz uma carga demasiado pesada
para ser escutada pelas espirais do ouvido,

aqui, num país onde um sensato
senhor governa equilibradamente.
Ao serem perturbadas pela harmonia

que existe além da ordem deste mundo,
as vossas vozes fazem um cerco. Estais alojadas
nos recifes em declive do pesadelo,

prometendo um abrigo certo;
de dia, estendem-se para além dos limites
da inércia, das saliências

que existem também nas altas janelas. Pior
ainda que esta canção de enlouquecer
é o vosso silêncio. Na origem

do apelo do vosso coração gelado
- a embriaguez das grandes profundezas.
Ó rio, como vejo serem arrastadas

lá no fundo do teu curso de prata,
aquelas grandes deusas da paz.
Pedra, pedra, leva-me lá para baixo.

Tradução: Maria de Lourdes Guimarães in PLATH, Sylvia.
Pela água. Lisboa: Assírio & Alvim, 1990.

Foto: autor desconhecido

Sylvia Plath

CRUZ E SOUSA

Foto: autor desconhecido

ACROBATA DA DOR

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço…

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

EROS E PSIQUE

Grupo de mármore de Antonio Canova,
terminado por Adamo Tadolini (1789/1868) em 1824.
Villa Carlotta, Como (Itália).
© Elsie DeCou, University of California (Santa Cruz).
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Eros e Psiquê - Gérard, 1798
Museu do Louvre - Paris
Image from Cgfa

FERNANDO PESSOA

Foto: autor desconhecido





Eros e Psique







...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

(Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária De Portugal)



Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

ÉRATO

Érato é a musa da poesia lírica na mitologia grega. É geralmente representada com uma lira.

Érato - Painel em carvalho de Simon Vouet