Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 26 de julho de 2008

MARY COLERIDGE


Foto: anônimo

Mary Coleridge


TODO O PODER DO EGIPTO SE AFUNDOU

Todo o poder do Egipto se afundou
Nos abismos sem fim do pensamento
Tróia caiu, a Grécia desabou;
De Roma, a glória, em pó se transformou;
O orgulho de Veneza foi-se em vento.

Mas os sonhos que os filhos seus sonharam,
Inconsistentes, vãos, que nos parecem,
Sombras que as próprias sombras imitaram,
Fumos no ar, como eles os julgaram,
Os sonhos, permanecem.

Tradução de A. Herculano de Carvalho

sexta-feira, 25 de julho de 2008

ÍCARO


Fonte: helenismo.googlepages.com

O Lamento por Icaro - Herbert Draper

EMILY DICKINSON

MORRI PELA BELEZA

Morri pela Beleza, mas na tumba
Mal me tinha acomodado
Quando outro, que morreu pela Verdade,
Puseram na tumba ao lado.

Baixinho perguntou por que eu morrera.
Repliquei, "Pela Beleza" -
"E eu, pela Verdade" - ambas a mesma -
E nós, irmãos com certeza.

Como parentes que pernoitam juntos,
De um quarto a outro conversamos -
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E encobriu os nossos nomes.

Tradução de Aíla de Oliveira Gomes

quinta-feira, 24 de julho de 2008

ORIDES FONTELA

Fonte: www.rabisco.com.br

Orides Fontela



TEIA

A teia, não
mágica
mas arma, armadilha

a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente

a teia, não
arte
mas trabalho, tensa

a teia, não
virgem
mas intensamente
prenhe:

no
centro
a aranha espera.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

PAUL ÉLUARD

Paul Éluard




LIBERDADE

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade


Tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira

terça-feira, 22 de julho de 2008

A NOITE



A noite (Nyx) e seu carrilhão de estrelas, Edward Robert Hughes

ARTHUR RIMBAUD

O ADORMECIDO DO VALE

Era um recanto onde um regato canta
Doidamente a enredar nas ervas seus pendões
De prata; e onde o sol, no monte que suplanta,
Brilha: um pequeno vale a espumejar clarões.

Jovem soldado, boca aberta, fronte ao vento,
E a refrescar a nuca entre os agriões azuis,
Dorme; estendido sobre as relvas, ao relento,
Branco em seu leito verde onde chovia luz.

Os pés nos juncos, dorme. E sorri no abandono
De uma criança que risse, enferma, no seu sonho:
Tem frio, ó Natureza - aquece-o no teu leito.

Os perfumes não mais lhe fremem as narinas,
Dorme ao sol, suas mãos a repousar suspiras
Sobre o corpo. E tem dois furos rubros no peito.


Tradução de Ivo Barroso

segunda-feira, 21 de julho de 2008

JACQUES PRÉVERT


Jacques Prévert


E DEUS EXPULSOU ADÃO…

E Deus expulsou Adão com golpes de cana-de-açúcar
E assim fabricou o primeiro rum na terra

E Adão e Eva cambalearam
pelos vinhedos do Senhor
a Santíssima Trindade os encurralava
mesmo assim continuaram cantando
com voz infantil de tabuada
Deus e Deus quatro
Deus e Deus quatro
E a Santíssima Trindade chorava…
Por cima do triângulo isóssal e sagrado
um biângulo isopimenta brilhava
e o eclipsava.

Tradução de Nicole

ORESTES

Orestes perseguido pelas Fúrias (1862), Adolphe-William Bouguereau (1825-1905)