
O Beijo da Esfinge, de Fran von Stuck
Óssip Mandelshtam
A ERA
Minha era, minha fera, quem ousa,
Olhando nos teus olhos, com sangue,
Colar a coluna de tuas vértebras?
Com cimento de sangue - dois séculos -
Que jorra da garganta das coisas?
Treme o parasita, espinha langue,
Filipenso ao umbral de horas novas.
Todo ser enquanto a vida avança
Deve suportar esta cadeia
Oculta de vértebras. Em torno
Jubila uma onda. E a vida como
Frágil cartilagem de criança
Parte seu ápex: morte da ovelha,
A idade da terra em sua infância.
Junta as partes nodosas dos dias:
Soa a flauta, e o mundo está liberto,
Soa a flauta, e a vida se recria.
Angústia! A onda do tempo oscila
Batida pelo vento do século.
E a víbora na relva respira
O outo da idade, áurea medida.
Vergônteas de nova primavera!
Mas a espinha partiu-se da fera,
Bela era lastimável. Era,
Ex-pantera flexível, que volve
Para trás, riso absurdo, e descobre
Dura e dócil, na meada dos rastros,
As pegadas de seus próprios passos.
Tradução de Haroldo de Campos
Vicente de Carvalho
VELHO TEMA
II
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.
Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.
Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
Raul Bopp
ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS!...
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Alphonsus de Guimarães