Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

domingo, 21 de agosto de 2011

PROMETEU E ATENA



reproduçãoPrometeu e Atena: criação do homem
(autor? quem souber, informe, por favor)

GEIR CAMPOS



reprodução
Geir Campos

A ÁRVORE

Ó árvore, quantos séculos levaste
a aprender a lição que hoje me dizes:
o equilíbrio, das flores às raízes,
sugerindo harmonia onde há contraste?

Como consegues evitar que uma haste
e outra se batam, pondo cicatrizes
inúteis sobre os membros infelizes?
Quando as folhas e os frutos comungaste?

Quantos séculos, árvore, de estudos
e experiências – que o vigor consomem
entre vigílias e cismares mudos –

demoraste aprendendo o teu exemplo,
no sossego da selva armada em templo,
E dize-me: há esperança para o Homem?

domingo, 14 de agosto de 2011

ECO E NARCISO



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Eco e Narciso (1630), de Nicolas Poussin



TORQUATO NETO


LET'S PLAY THAT

quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
Era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that

ÍCARO

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Despertar de Ícaro, de Lucílio de Albuquerque



GUILLAUME APOLLINAIRE

A carpa

Carpas, viveis tão longa vida
Nesses viveiros de água fria!
Será que a morte vos olvida,
Ó peixes da melancolia.

Tradução de R. Magalhães Júnior

sábado, 26 de março de 2011

ANA HATHERLY


AS ANTIGAS DAMAS JAPONESAS

As antigas damas japonesas
Distraidamente
Agitavam seus leques
No solitário mundo dos biombos

A distracção
Porém
É uma forma superior de ocultação
E
Na aridez
Do seu íntimo domado
O rugido da raiva
Estava contido
Artisticamente comprimido
No extravagante cinto
Que traziam
Atado nas costas

Tocavam
Dançavam
Serviam o chá de joelhos
Num secular sequestro

Mas às vezes
Num intervalo do desvelo
Da honra e do pudor
Descobriam
O esquisito sabor
Que tem o crime.

JOSÉ LUIS HIDALGO

reprodução

José Luis Hidalgo


SE SOUBESSE, SENHOR...


Se soubesse, Senhor, que Tu me esperas
na borda implacável da morte,
iria a tua luz, como uma lança
que atravessa a noite e nunca volta.

Porém sei que não estás, que viver só
é sonhar com teu ser, inutilmente,
e sei que, quando eu morra, é que Tu mesmo
Terás morrido com a minha morte.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

PANDORA

reprodução
Pandora, de John William Waterhouse

CASSIANO RICARDO



reprodução

Cassiano Ricardo



A FÍSICA DO SUSTO

O espelho caiu a parede.
Caiu com ele o meu rosto.
Com o meu rosto a minha sede.
Com a minha sede eu desgosto.
O meu desgosto de olhar,
no espelho caído, o meu rosto.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DEDICAÇÃO A BACO



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Uma Dedicação a Baco, de Sir Lawrence Alma-Tadema


FREI CANECA


Frei Caneca

DÉCIMA


Se amor vive além da morte,
Eterno o meu há de ser;
Se amor dura só na vida,
Hei de amar-te até morrer.

Glosa

Que um peito, Analia, sensível,
Desses teus olhos ferido
Não te caia aos pés rendido,
Me parece um impossível.
Antes só tenho por crível
Que todo a ti se transporte,
E te preste amor tão forte,
Em teu serviço jucundo,
Que te ame além do mundo,
Se amor vive além da morte.

Por essa força atrativa,
Que em ti pôs a natureza,
Minha alma d'antes ilesa
Já de ti se vê cativa.
De amor n'uma chama viva
O peito sinto-me arder;
E se posso hoje prever
Os sucessos do futuro,
Entre os fogos de amor puro
Eterno o meu há de ser.

Mais forte que o gordiano,
É o nó que a ti me prende;
Fica certa, que o não fende
Da morte o ferro tirano;
Por que trazer-te-hei de ufano
No fundo d'alma esculpida,
Ou ao nada reduzida
Deve ser a minha essência;
Que nego a sobrevivência,
Se amor dura só na vida.

Em ambas suposições
Não és de mim separada;
Que me estais amalgamada
Da mente nas sensações:
E pois modificações
Só por si não podem ser,
Hás de eterna em mim viver,
Se eu tenho uma alma imortal;
Ou, se ela é material,
Hei de amar-te até morrer.

domingo, 19 de setembro de 2010

VULCANO




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A Forja de Vulcano, de Luca Giordano


TRISTAN CORBIÈRE



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Tristan Corbière



PAISAGEM MÁ

Praias de ossos. A onda estertora
Seus dobres, som a som, na areia.
Palude pálido. O luar devora
Grandes vermes – é a sua ceia.

Torpor de peste: somente a febre
Coze… O duende danado dorme.
A erva que fede vomita a lebre,
Bruxa medrosa que se some.

A lavadeira branca junta os
Trapos surrados dos defuntos,
Ao sol dos lobos… E os sapos. Ei-los,

Anões de vozes melancólicas,
Que envenenam com suas cólicas,
Os cogumelos, seus escabelos.

Tradução de Augusto de Campos

domingo, 29 de agosto de 2010

ZÉFIRO E FLORA



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Flora e Zéfiro, de William-Adolphe Bouguereau


CARLOS PENA FILHO



PARA FAZER UM SONETO

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo, Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.

Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.

Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse;
antes, deixe levá-lo a correnteza.

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.