Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 5 de julho de 2008

WILLIAM BLAKE

Fonte: Wikipedia licensed under a Creative Commons

Retrato de William Blake, por Thomas Phillips

O TYGRE


Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas de noite inflama,
Que olho ou mão imortal podia
Traçar-te a horrível simetria?

Em que abismo ou céu longe ardeu
O fogo dos olhos teus?
Com que asas atreveu ao vôo?
Que mão ousou pegar o fogo?

Que arte & braço pôde então
Torcer-te as fibras do coração?
Quando ele já estava batendo,
Que mão & que pés horrendos?

Que cadeia? Que martelo?
Que fornalha teve o teu cérebro?
Que bigorna? que tenaz
Pegou-te os horrores mortais?

Quando os astros alancearam
O céu e em pranto o banharam,
Sorriu ele ao ver seu feito?
Fez-te quem fez o Cordeiro?

Tygre, Tygre, viva chama
Que as florestas da noite inflama,
Que olho ou mão imortal ousaria
Traçar-te a horrível simetria?

Tradução: José Paulo Paes

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Apolo e as Musas

Apolo e as Musas no monte Hélicon
Claude Gellée, Le Lorain - c. 1628
© 2000 Museum of Fine Arts, Boston

Bashô - 4 haikais

Fonte: Wikipedia licensed under a Creative CommonsMatsuo Bashô (1644-1694)
Não esqueças nunca
o gosto solitário
do orvalho


A mesma paisagem
escuta o canto e assiste
à morte da cigarra


Admirável aquele
cuja vida é um contínuo
relâmpago


Oh anda ver
uma bola de neve
a arder
Tradução: Jorge de Sousa Braga

JORGE DE LIMA

Jorge de Lima
ANJO DALTÔNICO
Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.

Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.

Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.

Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha.

CARLOS PENA FILHO

Carlos Pena Filho

SONETO DAS DEFINIÇÕES

Não falarei das coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Apolo e Jacinto

fonte: Wikipedia A Morte de Jacinto, 1801
Jean Broc (1771-1850)

ARTHUR RIMBAUD

Foto: Étienne Carjat - domínio públicoArthur Rimbaud

Longe de pássaros, de rebanhos e aldeãs,
Numa clareira, o que estaria eu a beber de
Joelhos, tendo em volta uns bosques de avelãs,
Na cerração de um meio-dia úmido e verde?

O que haveria eu de beber nesse Oise infante,
- Olmos sem voz, relva sem flores, céu sem mira! –
Beber em cuias amarelas, bem distante
Da tenda? Algum licor dourado que transpira.

A torpe insígnia de um albergue eu parecia.
- Um temporal varreu o céu. No anoitecer
Na areia branca a água dos bosques se perdia,
No charco o vento de Deus flocos fez descer;

Chorando, eu via o ouro – e sem poder beber.


Tradução: Ivo Barroso in RIMBAUD, Arthur.
Uma estadia no inferno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.