Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 20 de setembro de 2008

BACO


wikimedia commons

Baco, de Leonardo da Vinci

Museu do Louvre, Paris

GIUSEPPE UNGARETTI


reprodução

Giuseppe Ungaretti


POESIA

Dias e noites
tangendo
em meus nervos
de harpa

vivo desta jóia
doentia do universo
e sofro
de não sabê-la
acender
na minha
palavra.

Tradução de Elson Froes

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

EUGENIO MONTALE

divulgação
Eugenio Montale

VENTO E BANDEIRAS

A ventania que alçou o amargo aroma
do mar às espirais dos vales,
e te assaltou, desgrenhou teu cabelo,
novelo breve contra o pálido céu;

a rajada que colou teu vestido
e rápida te modulou à sua imagem,
como voltou, tu longe, a estas pedras
que o monte estende sobre o abismo;

e como passada a embriagada fúria
retoma agora ao jardim o hálito submisso
que te ninou, estirada na rede,
entre as árvores, nos teus vôos sem asas.

Ai de mim! O tempo nunca arranja duas vezes
de igual maneira suas contas! E é esta a
nossa sorte: de outra maneira, como na natureza,
nossa história se abrasaria num relâmpago.

Surto sem igual, — e que agora traz vida
a um povoado que exposto
ao olhar na encosta de um morro
se paramenta de galas e bandeiras.

O mundo existe... Um espanto pára
o coração que sucumbe aos espíritos errantes,
mensageiros da noite: e não pode acreditar
que homens famintos possam ter sua festa.

Talvez uma manhã andando num ar de vidro,
voltando-me, verei cumprir-se o milagre:
o nada às minhas costas, detrás de mim
o vazio, com um terror de bêbedo.

Depois como numa tela, acamparão de um jato
árvores casas colinas para a ilusão costumeira.
Mas será tarde e eu partirei calado
entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.

Tradução de Geraldo H. Cavalcanti

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

T. S. ELIOT


reprodução

T. S. Eliot


MORTE POR ÁGUA

Flebas, o Fenício, morto há quinze dias,
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e os prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o vento se origina,
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu.

Tradução de Ivan Junqueira

Quarta parte de "A Terra Desolada"

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

MURILO MENDES

www.ufmg.br
Murilo Mendes

POEMA BARROCO

Os cavalos da aurora derrubando pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.

O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem de Nossa Senhora das vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.

Preciso conhecer os porões da minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.
É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também pede auxílio.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

domingo, 14 de setembro de 2008

SALVATORE QUASIMODO


divulgação

Salvatore Quasimodo


AVIDAMENTE ESTENDO A MINHA MÃO

Na pobreza da carne, como sou,
eis-me, Senhor: poeira da estrada
que o vento mal levanta em seu perdão.

Mas se afilar não soube noutro tempo
a voz primitiva ainda tosca,
avidamente estendo a minha mão:
dá-me da dor o pão cotidiano.

Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti