Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sexta-feira, 5 de junho de 2009

AQUILES E PRÍAMO


reprodução

Aquiles e Príamo, de Jules Bastien-Lepage

MANUEL BATISTA CEPELOS

OS VAGABUNDOS

Ei-los sem diretriz, macilentos e rotos,
Perlustrando a extensão dessas ruas e vielas...
Vê-se-lhes no semblante o ar dos velhos pilotos,
Cansados de vencer procelas e procelas...

Expostos ao ladrar de cães e de garotos,
Sofrem caladamente injúrias e mazelas;
E, á noite, vão sonhar, na pedra dos esgotos,
Ao frigido lençol da lua e das estrelas...


E, desde que amanhece, apressados e argutos,
Vagam pela cidade, em pleno reboliço;
Ou ficam a cismar, nos jardins e viadutos...

E, enquanto as ambições se chocam frente a frente,
Os Vagabundos, bem alheios a tudo isso,
Vão passando, a fumar, filosoficamente...

domingo, 31 de maio de 2009

JASÃO E MEDÉIA

reprodução
Jasão e Medeia, de John William Waterhouse

CASIMIRO DE ABREU


wikimedia

Casimiro de Abreu


CANÇÃO DO EXÍLIO

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!