Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 7 de março de 2009

FEDERICO GARCIA LORCA

A CASADA INFIEL

A Lydia Cabrera
e à sua negrinha

E eu que a levei até o rio
achando que era donzela,
mas ela tinha marido.
Foi na noite de Santiago
e quase por compromisso.
Apagaram-se os lampiões
e se acenderam os grilos.
Pelas últimas esquinas
toquei seus peitos dormidos,
que a mim se abriram de pronto
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
ao meu ouvido soava
como uma peça de seda
lacerada por dez facas.
Sem luz de prata nas copas
as árvores têm crescido,
e um horizonte de cães
ladra bem longe do rio.

*

Passadas as amoreiras,
os juncos e os espinheiros,
para abrigar seus cabelos
fiz um ninho sobre o limo.
Eu tirei minha gravata.
Ela tirou o vestido.
Eu, o cinto com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem flores nem caracóis
têm uma pele tão fina,
nem os cristais sob a lua
resplendem com um tal brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos,
metade cheias de luz,
metade cheias de frio.
Naquela noite trilhei
dos caminhos o melhor,
montado em potra de nácar
sem rédeas e sem estribos.
Não vou dizer, por ser homem,
as coisas que ela me disse.
A luz do entendimento
me faz ser mais comedido.
Suja de beijos e areia
levei-a embora do rio.
Ao vento se digladiavam,
no ar, as espadas dos lírios.

Portei-me como quem sou.
Como um gitano legítimo.
Dei-lhe um cesto de costura
grande, de raso palhiço,
e não quis me enamorar
porque, tendo ela marido,
me disse que era donzela
quando a levava até o rio.

Tradução de Fábio Aristimunho

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