Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

CESARE PAVESE

reprodução
Cesare Pavese

MANIA DA SOLIDÃO

Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranqüilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranqüilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.

Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tetos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande gole e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.

Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
A planura é água que escorre entre a erva,
um jantar de todas as coisas. Cada planta e cada pedra
vivem imóveis. Escuto os alimentos e eles alimentam-me as veias
com todas as coisas que vivem nesta planura.

A noite importa pouco. O retângulo de céu
sussurra-me todos os fragores e uma estrela miúda
debate-se no vazio, longe dos alimentos,
das casas, distinta. Não se basta a si mesma
e precisa de muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho,
o meu corpo está tranqüilo e sente-se soberano.

Tradução de Carlos Leite

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