Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

quarta-feira, 4 de março de 2009

ALEKSANDR BLOK

OS DOZE

IV

A neve gira, o cocheiro grita
Com Vanda e Kátia no trenó!
E na berlinda levam
Lanternas eléctricas…
Ah, ah, arre!…

Com o capote de soldado rasgado
tem cara de parvo.
Enrola o bigode preto,
torce-o
e diverte-se…

Aqui está Vanka, de costas largas!
Aqui está Vanka, o linguareiro,
Abraça a tua Kátia, convence-a…

Ela inclina a cabeça para trás,
Os seus dentes pequenos brilham como pérolas…
Ah, tu, Kátia, Kátia minha,
bochechuda!

V

Tens uma cicatriz no pescoço,
Kátia, a cicatriz de uma facada.
No peito, Kátia,
tens uma unhada fresca!

Eh, eh, dança!

Que pernas tão bonitas!

Levavas roupas de rendas;
por que não agora?
Fodias com oficiais,
por que não agora?

Fode, fode!
O coração salta-me no peito!

Recordas, Kátia, aquele oficial,
Que não se salvou da navalha…
Não te lembras dele?
Ou não tens a memória fresca?

Eh, eh, refresca-a,
mete-me na cama contigo!

Polainas cinzentas levavas,
e tomavas chocolate,
ias p’rà cama com cadetes…
Agora vais com soldados?

Eh, eh, peca, peca!
Vais sentir a alma mais leve!

VI

Outra vez se achega o cocheiro,
voa, grita, vocifera…

Alto, alto! Andriukha, socorro!
Petrukha, corre atrás dele!

Ta-tarara! ta-ta-ta-ta!
O pó da neve voa para o céu!…

O cocheiro foge com Vanka!…
Uma vez mais carrega o gatilho…

Tra-tarara! Vamos dar-lhe uma lição,
…………………………………………………..……..
o que é andar com a miúda de outro!

O canalha escapou-se! Verás
como amanhã acabo contigo!

E Kátia, onde está? Morta a deixei,
com uma bala na cabeça!

Estás contente, Kátia! Não se mexe…
Jaz morta sobre a neve!…

Firme o passo revolucionário!
Não descansa o inimigo!

VII

E de novo avançam os doze,
às costas levam fuzis.
E só ao pobre assassino
não se lhe vê a cara…

Cada vez mais depressa,
os passos vão-se avivando.
Leva um lenço ao pescoço
E não se pode aguentar…

“Por que estás triste, camarada?”
“Amigo, que te põe calado?”
“Porquê, Petrukha, estás triste?
Ou choras a pobre Kátia?”

“Eh, camaradas, companheiros,
eu gramava essa miúda…
Muitas noites embriagadas
Passei nos seus braços…”

“Pela força arrogante
dos seus olhos de fogo,
por aquele sinal vermelho
na sua coxa direita,
matei, homem fraco,
e matei-a por ciúme.. ai!”

“Como nos incomoda este maldito!
Tu, Petka, és uma mulher?”
Queres arrancar a alma
E mostrá-la a todos? Fá-lo!

“Levanta o peito!”
“É preciso que te domines!”

“Este momento não é
de mimar a miudagem.

É o momento de uma carga
Mais forte, querido camarada!”

E Petrukha demora
a pressa dos seus passos…

A cabeça levanta
e de novo se alegra…

Eh, eh!
Divertir-se não é pecado!

Fechem as casas,
porque hoje haverá saque!

Abram as adegas,
Hoje divertem-se os pobres!

VIII

Ai, tu, que amargura!
Que morte
tenebrosa!

Rico tempo
vou passar, vou passar…

A cabeça
vou coçar, vou coçar…

E pevides de girassol
vou comer, vou comer…

E a navalha
Farei servir, farei servir…

Tu, burguês, foge como um pardal!
Beberei o teu sangue,
por causa desta rapariguinha
de sobrancelhas negras…

Que descanse em paz, Senhor,
a alma da tua serva…

Que aborrecimento!

Tradução de Manuel de Seabra

2 comentários:

Beatriz Prestes disse...

Arte com beleza....
Sonhos com intensidade....
Viver enfim, através da plenitude das palavras!!
Aplausos Marcilio!!
Beijo carinhoso
Bea

Marcilio Medeiros disse...

Bea,
obrigado pela sua presença e comentário sempre gentil.
beijo carinhoso