Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

terça-feira, 3 de março de 2009

ALEKSANDR BLOK

reprodução
Aleksandr Blok

OS DOZE

I

Noite negra,
Branca Neve.
Vento, vento!
Nem um só homem se aguenta de pé.
Vento, vento
Por este mundo de Deus!

O vento faz girar
a branca neve.
Há gelo debaixo da neve leve.
Resvaladios, pesados,
Deslizam os passos
Na rua… Ah, coitado!

Entre duas casas,
estenderam uma corda.
E na corda um cartaz:
“Todo o poder à Assembleia Constituinte!”
Uma anciã chora,
não percebe o que quer dizer
aquele cartaz.
E porquê um cartaz tão grande?
Quantas peúgas se podiam fazer para a garotada
Que tem os pés gelados…
A velha, como uma galinha
Espantada, atravessa um monte de neve.
“Ah, Virgem Santíssima,
estes bolchevistas atiram-nos à cova!”

Vento que corta!
Não aguentas o frio!
E um burguês numa esquina
Esconde bem o nariz.

Mas quem é este? De cabelo comprido
e diz em voz baixa:
Traidores!
É o fim da Rússia!”
É talvez um escritor
ou um orador…

E aí vai um homem de saias,
esconde-se atrás do monte de neve…
Por que estás hoje triste,
camarada pope?

Recordas como antes
andavas de peito saído
e a cruz te fazia brilhar
a barriga aos olhos do povo?

Uma dama vestida de astracã
vira-se para outra
“E como temos chorado…”
Nisto escorrega
E – pumba! – cai estatelada!

Ai, ai!
Vamos ajudá-la!

O vento é alegre,
alegre e cruel.

Agita as roupas
dos caminhantes,
rasga, aperta e agita
o grande cartaz:
“Todo o poder à Assembleia Constituinte!”
E traz-nos estas palavras:

“…Fizemos uma reunião…
…naquele edifício…
…discutimos…
e decidimos:
Ir prò quarto dez rublos,
dormida vinte e cinco…
… não pode ser por menos…
Vem daí…”

Anoitece.
Esvazia-se a rua
Só ficou um mendigo
curvado
e o vento assobia…

Eh, pobre homem!
Ana,
Abraça-me…

Quero pão!
E depois quê?
For a!

O céu está escuro.
Raiva, uma triste raiva
ferve nos peitos…
Raiva negra, raiva santa…

Camarada! Fica
De olhos bem abertos!

II

Voa a neve e passeia o vento.
E os doze homens avançam.

Correias negras nos fuzis,
e à volta muitas luzes…

Entre os lábios um cigarro,
o chapéu enfiado
e nas costas um ás de ouros!

Liberdade, liberdade!

Ah, ah, vão sem a cruz!

Tra-ta-ta!


Faz frio, camarada, faz frio!

“Vanka está com Kátia na taberna…”
“Ela leva o dinheiro na peúga!”

“Vanka é agora rico…”
“Era dos nossos e agora é soldado!”

“Vamos, Vanka, grande sacana burguês,
dá um chocho À minha miúda!”

Liberdade, liberdade,
ah,ah, vão sem a cruz!
Kátia está ocupada com Vanka,
E está ocupada com quê?

Tra-ta-ta!

Há mil luzes à solta…
Nas costas a correia do fuzil!…

Firme o passo revolucionário!
O inimigo nunca dorme!
Pega sem medo no fuzil, camarada!
Disparemos uma bala à Santa Rússia!

A reaccionária,
a das isbás,
a do cu grande!
Ah, ah, vão sem a cruz!

III

Assim é a nossa juventude:
servir na guarda vermelha,
servir na guarda vermelha,
e perder as suas cabeças loucas!

Ah, tu, pobre,
doce vida!
Dólman rasgado
e fuzil austríaco!

Para que todos os burgueses sofram,
lançaremos fogo ao mundo,
fogo ao mundo que nasceu com sangue.
Senhor, a tua benção!

Tradução de Manuel de Seabra

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