Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 8 de novembro de 2008

ATLAS


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Atlas, de Manuel Domínguez Guerra

MARIA TEREZA HORTA


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Maria Tereza Horta


INVENTO

Deponho
suponho e descrevo
a pulso

subindo pela fímbria
do despido

Porque nada é verdade
se eu invento
o avesso daquilo que é vestido

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

PSIQUÊ E AMOR


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Psiquê e Amor, de William-Adolphe Bouguereau

RUBÉN DARÍO

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Rubén Darío



AMO, AMAS

Amar, amar, amar, amar sempre, com todo
O ser e com a terra e com o céu,
Com o claro do sol escuro do lodo:
Amar por toda ciência e amar, por todo desejo,
E quando a montanha da vida
Nos seja dura e longa e alta e cheia de abismos,
Amar a imensidade que é de amor acesa
E arder na fusão de nossos peitos mesmos!

Tradução Maria Teresa Almeida Pina

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

VÊNUS E ADÔNIS


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Vênus e Adônis (1637), de José de Ribera

EUGENIO MONTEJO


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Eugenio Montejo



CANÇÃO

Cada corpo com seu desejo
E o mar em frente.
Cada leito com seu naufrágio
E os barcos no horizonte.

Estou cantando a velha canção
Que não tem palavras.
Cada corpo junto a outro corpo,
Cada espelho cintila nas sombras
E nas nuvens errantes.

Estou tocando a antiga guitarra
Com que os amantes adormecem.
Cada vento nas suas samambaias,
Cada corpo nu na sua noite
E o mar, ao fundo, inalcançável.

Tradução de Silvio Persivo

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

BACO E CERES


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Baco e Ceres com Ninfas e Sátiros, de Sébastien Bourdon

JEAN COCTEAU


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Jean Cocteau



JOGADORES QUE DORMEM NO HOMEM

O homem é um jogo arriscado
Que os jovens às vezes jogam
Com rosto à mesa colado.
Pálidos, imersos na sombra.

Esses anjos assustados,
No verão dormem no homem
Nadam dentro de seu sono,
Usando um braço encantado.

Os que dormem têm pernas?
Pra eles há o alto e o baixo?
Então na brisa ou na terra?
Circula o ar em seus ossos?
Têm ossos dentro do braço?

O jogo homem é um esporte
Praticado entre os que dormem.
Dentro de um silêncio enorme.
Rouba-se o parceiro morto

Repare, o jogo da mourre
É semelhante ao do homem:
Quem fizer amor dormindo
É logo expulso do sono.

Tradução de Ferreira Gullar

terça-feira, 4 de novembro de 2008

VÊNUS E ADÔNIS


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Vênus e Adônis (1580), de Paolo Veronese

ALEKSANDR PUSHKIN


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Aleksandr Pushkin



QUEIMA O SANGUE UM FOGO DE DESEJO

Queima o sangue um fogo de desejo,
De desejo a alma e ferida,
Dá-me os teus lábios: o teu beijo
E o meu vinho e a minha mirra.
Reclina a cabeça
Ternamente, faz que eu durma
Sereno até que sopre um dia alegre
E se dissipe a névoa noturna.


Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

MARTE, VÊNUS, VITÓRIA E CUPIDO


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Alegoria: Marte, Vênus, Vitória e Cupido (1560), de Paris Bordone

ANDRÉ BRETON


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André Breton


POEMA

Tenho na minha frente a fada de sal
cuja túnica recamada de cordeiros
desce até ao mar
Cujo véu pregueado
de queda em queda ilumina toda a montanha.
Ela brilha ao sol como um lustro de água iridiscente
E os pequenos oleiros da noite serviram-se das suas
unhas onde a lua não se reflecte
para moldar o serviço de café da beladona.

O tempo enrodilha-se miraculosamente detrás dos seus
sapatos de estrelas de neve
ao longo dum rasto perdido nas carícias
de dois arminhos.

Os perigos anteriores foram ricamente repartidos
e mal extintos os carvões no abrunheiro bravo das sebes
pela serpente coral que sem custo passa
por um delgado
filete de sangue seco
na lareira profunda
sempre sempre esplendidamente negra
Esta lareira onde aprendi a ver
e sobre a qual dança sem cessar
o crepe das costas das primaveras
Aquele que é necessário lançar muito alto para dourar
a mulher em cujos cabelos encontro
o sabor que perdera
O crepe mágico o sinete voador
do amor que é nosso.

Tradução de Nicolau Saião

domingo, 2 de novembro de 2008

VÊNUS, CUPIDO, LOUCURA E TEMPO


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Vênus, Cupido, Loucura e Tempo (Alegoria do Triunfo de Vênus), de Angelo Bronzino

SOUSÂNDRADE


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Sousândrade



HARPA XXXII

Dos rubros flancos do redondo oceano
Com suas asas de luz prendendo a terra
O sol eu vi nascer, jovem formoso
Desordenando pelos ombros de ouro
A perfumada luminosa coma,
Nas faces de um calor que amor acende
Sorriso de coral deixava errante.
Em torno de mim não tragas os teus raios,
Suspende, sol de fogo! tu, que outrora
Em cândidas canções eu te saudava
Nesta hora d'esperança, ergue-te e passa
Sem ouvir minha lira. Quando infante
Nos pés do laranjal adormecido,
Orvalhado das flores que choviam
Cheirosas dentre o ramo e a bela fruta,
Na terra de meus pais eu despertava,
Minhas irmãs sorrindo, e o canto e aromas,
E o sussurrar da rúbida mangueira
Eram teus raios que primeiro vinham
Roçar-me as cordas do alaúde brando
Nos meus joelhos tímidos vagindo.