Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

quinta-feira, 5 de março de 2009

ALEKSANDR BLOK

OS DOZE

IX

Não se ouve o ruído da cidade.
Sobre o Nevá o silêncio é pesado.
Já se foi o guarda nocturno:
Ao gozo, malta, sem vinho!

Numa esquina está um burguês
com o nariz tapado.
E um cão mete-se-lhe entre os pés,.
sarnoso, indeciso, com o rabo entre as pernas.

O burguês, com o cão esfomeado,
Está indeciso e calado.
E o velho mundo, como um cão sarnoso,
está atrás dele com o rabo entre as pernas.

X

A tempestade põe-se furiosa,
ah, que tempestade de neve!
A dois passos não se vê nada,
Com esta tempestade!

A neve gira como num funil,
a neve levanta-se como uma coluna…

“Oh, que tempestade, Senhor!”
“Petka! Eh, deixa-te de parvoíces!
De que te salvou
o ícone dourado?
Que falta de sentido, também,
pensa bem,
ou não tens sangue nas mãos
por amor da tua Katka?”
“Firme o passo revolucionário!”

O inimigo está cada vez mais perto!

Avante, avante, avante,
povo trabalhador!

XI

…E sem nenhum nome sagrado,
os doze seguem avante.

Estão dispostos a tudo
sem nada a lamentar…

Os seus fuzis de aço apontam
contra o inimigo que não se vê…
por ruelas escuras,
onde a neve cai feroz…
E da neve mole
não podem sair as botas…

A bandeira vermelha
os olhos lhes fustiga.

Ouvem-se
os seus passos ritmados.

A qualquer momento pode despertar
o inimigo cruel.

E a neve caía nos olhos
dias e noites
sem parar…

Avante, avante,
povo trabalhador!

XII

… E avançam com passo seguro…
“Quem vai lá? Saia!"
É apenas o vento na bandeira vermelha
que ondeia à frente…

À frente há um monte de neve gelada.
“Quem vai lá? Saia!”
Só um cão vadio esfomeado
aparece a coxear…

“Não nos acompanhes, cão sarnoso,
ou far-te-ei cócegas com a baioneta!
E tu, velho mundo, como um cão sarnoso,
Desaparece ou desfazer-te-ei!”

… Mostra os dentes como um lobo faminto,
não fiques de rabo entre as pernas,
cão sarnoso, cão vadio…
“Eh, responde! Quem vai lá?”

“Quem agita aí a bandeira vermelha?”

“Olha bem, que escuridão!”
“Quem vai lá, furtivamente,
escondendo-se atrás das casas?”

“Tanto faz, vou agarrar-te.
Vale mais que te entregues vivo!”
“Eh, camarada, será pior,
sai ou começamos a disparar!”

Tra-ta-ta! E só o eco
Ecoa das casas
Só a tempestade com uma risada ampla
Estala na neve

Tra-ta-ta!
Tra-ta-ta!

E assim vão com passo guerreiro,
atrás do cão esfomeado,
e à frente a bandeira sangrante,
e invisível na neve
e imune às balas,
através da tempestade que aparece, terna,
espalhando um tesouro de pérolas de neve,
com uma coroa de rosas brancas
- à frente vai Jesus Cristo.

Tradução de Manuel de Seabra

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