Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 14 de março de 2009

ADONIS



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Adonis ferido, de Briton Riviere


BERTOLT BRECHT

DE TODAS AS OBRAS

De todas as obras humanas, as que mais amo
São as que foram usadas.
Os recipientes de cobre com as bordas achatadas e com
mossas
Os garfos e facas cujos cabos de madeira
Foram gastos por muitas mãos: tais formas
São para mim as mais nobres. Assim também as lajes
Polidas por muitos pés, e entre as quais
Crescem tufos de grama: estas
São obras felizes.
Admitidas no hábito de muitos
Com freqüência mudadas, aperfeiçoam seu formato e
tornam-se valiosas
Porque delas tantos se valeram.
Mesmo as esculturas quebradas
Com suas mãos decepadas, me são queridas. Também
elas
São vivas para mim. Deixaram-nas cair, mas foram
carregadas.
Embora acidentadas, jamais estiveram altas demais.
As construções quase em ruína
Têm de novo a aparência de incompletas
Planejadas generosamente: suas belas proporções
Já podem ser adivinhadas; ainda necessitam porém
De nossa compreensão. Por outro lado
Elas já serviram, sim, já foram superadas. Tudo isso
Me contenta.

Tradução de Paulo Cesar Lima de Souza

sexta-feira, 13 de março de 2009

URÂNIA



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Urânia (c. 1667), de Francesco Cozza


FERNANDO PESSOA

NO TÚMULO DE CHRISTIAN ROSENCREUTZ

Não tínhamos ainda visto o cadáver do nosso Pai prudente e sábio. Por isso afastamos para um lado o atar. Então pudemos levantar uma chapa forte de metal amarelo, e ali estava um belo corpo célebre, inteiro e incorrupto…, e tinha na mão um pequeno livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que é, depois da Bíblia, o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido à censura do mundo.

Fama Fraternitatis Rosas Crucis

I

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclue.

Deus é o Homem de outro Deus maior.
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rósea-cruz conhece e cala.

quinta-feira, 12 de março de 2009

DIANA E CALISTO



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Diana e Calisto, de Tiziano Vecelli


WILLIAM BUTLER YEATS

A TORRE

I

Que fazer com este absurdo —
Oh coração, Oh inquieto coração — esta caricatura,
Esta decrépita idade que me ataram
Como à cauda de um cão?
Nunca tive
Mais exaltada, apaixonada, fantástica
Imaginação, nem olhos e ouvidos
Que mais esperassem o impossível —
Não, nem na infância quando com cana e mosca,
Ou o mais humilde dos vermes, subia a encosta de Ben Bulben
E tinha onde passar o interminável dia de Verão.
Parece que tenho de despedir a Musa,
Eleger como amigos Platão e Plotino
Até que a imaginação, olhos e ouvidos,
Se satisfaçam com a argumentação e lidem
Com o abstracto; ou permitir a troça
Como se levasse um tacho velho nos calcanhares.

II

Caminho entre as ameias e contemplo
Os alicerces de uma casa, ou ali onde
Uma árvore, como dedo tisnado, se ergue da terra;
E para diante lanço a imaginação
Sob o luminoso dia que declina, e invoco
Imagens e memórias
De ruínas ou de árvores antigas,
Pois a todos interrogarei.

Atrás da colina vivia a senhora French, e uma vez
Quando velas e candelabros de prata
Iluminavam o escuro mogno e o vinho,
Um criado que adivinhava sempre
Todos os desejos de tão respeitável dama,
Correu e com as tesouras do jardim
Podou as orelhas de um labrego insolente
E trouxe-as num pratinho coberto.

Alguns ainda se lembravam de quando sendo eu jovem
Uma jovem camponesa por canção louvada,
Que vivia algures nessas paragens rochosas,
Louvada pelas cores do seu rosto,
E com grande júbilo ainda mais louvada,
Lembrando que, ao passar pela feira,
Os labregos se acotovelavam
Tal a glória que conferia essa canção.

E outros, enlouquecidos pêlos versos,
Ou por ela brindarem tantas vezes,
Levantavam-se da mesa e declaravam justo
Provar com a vista tal fantasia;
Mas confundiram o brilho da lua
Com a prosaica luz do dia —
A música toldou-lhes a razão —
E um deles afogou-se no grande pântano de Cloone.

Estranho; quem fizera a canção era cego;
Mas, pensando bem, não acho
Nada estranho; a tragédia começou
Com Homero que também era cego,
E Helena atraiçoou tanto coração palpitante.
Oh, podem lua e sol parecer
Um raio inextricável
Pois se triunfar tornarei os homens loucos.

E eu próprio criei Hanrahan
E ébrio ou sóbrio levei-o pela aurora
De algures junto às cabanas.
Apanhado nas armadilhas de um velho,
Tropeçou, caiu, tacteou aqui e ali
E como paga só teve os joelhos partidos
E o horrível esplendor do desejo;
Em tudo isto pensei há vinte anos:
Os amigos jogavam às cartas num velho estábulo;
E quando chegou a vez do antigo rufia
De tal modo com os dedos enfeitiçou as cartas
Que todas menos uma se transformaram
Em matilha de cães e não baralho de cartas,
E àquela em lebre transformou.
Frenético, Hanrahan levantou-se então
E as criaturas que ladravam seguiu até —

Oh, até onde já me esqueci — mas basta!
Devo evocar um homem a quem nem o amor
Nem a música nem a orelha cortada do inimigo
Podiam, em tal tormento, alegrar;
Figura já tão fabulosa
Que não resta vizinho capaz de dizer
Quando terminou o seu dia de canícula:
Um antigo dono falido desta casa.

Antes de chegar essa ruína, durante séculos,
Rudes guerreiros, com jarreteiras nos joelhos
Ou de ferro calçados, subiam as escadas estreitas,
E havia guerreiros cujas imagens
Na Grande Memória guardadas,
Chegavam aos gritos e ofegantes
Perturbando o sono daquele que dormia
Enquanto os seus grandes dados de madeira batiam no tabuleiro.

Como a todos interrogaria, pois venham todos os que puderem;
Venha o velho, indigente e aleijado;
Venha e traga o cego errante que celebrou a beleza;
O homem vermelho que o prestidigitador enviara
Para esse prados abandonados por Deus; a senhora French,
De tão apurado ouvido;
O homem afogado no lodo do pântano,
Quando Musas trocistas elegeram a jovem camponesa.
Será que velhos homens e mulheres, ricos e pobres,
Que estas rochas pisaram, que por esta porta passaram,
Em público ou em segredo se indignaram
Como agora o faço eu contra a velhice?
Mas encontrei resposta nesse olhos
Impacientes por partir;
Sim, ide, mas deixai Hanrahan,
Porque preciso das suas poderosas memórias.

Velho libertino com um amor em cada vento,
Retira dessa mente profunda e pensativa
Tudo o que no túmulo descobriste.
Pois é certo que te dás conta
De cada aventura imprevista, cega,
Que suaves olhos tentadores,
Ou carícias ou suspiros atraíram
Ao labirinto de outro ser;

Mais se demora a imaginação
Na mulher ganha ou na mulher perdida?
Se na perdida, admite que te afastaste
De um grande labirinto por orgulho,
Cobardia, alguma parva e excessiva subtileza
Ou qualquer coisa que já se chamou consciência;
E que se à memória se recorre, o sol
Entra em eclipse e o dia em extinção.

III

É tempo de fazer o meu testamento;
Escolho os homens que se erguem
Esses que sobem as correntes até
Às próprias fontes, e pela aurora
Lançam o anzol à berra
Da pedra que brota; declaro
Que herdem o meu orgulho,
O orgulho de quem
Nunca foi prisioneiro de Causa nem Estado,
Mas não aos escravos humilhados
Nem aos tiranos que humilham;
Sim às gentes de Burke e de Grattan
Que deram, podendo recusar —
Orgulho idêntico ao do amanhecer,
Quando se solta a temerária luz,
Ou o orgulho do corno fabuloso,
Ou do súbito aguaceiro
Quando secas estão todas as correntes,
Ou o orgulho dessa hora
Em que o cisne fixa o olhar
Num esplendor que se apaga,
Flutua num longo e derradeiro
Esforço pelas águas cintilantes
E canta a sua última canção.
E declaro a minha fé:
Rio-me do pensamento de Plotino
E grito na cara de Platão,
A morte e a vida não existiam
Até o homem tudo inventar,
Tudo conceber,
Tudo fazer com a sua alma amargurada,
Sim, e o sol e a lua e as estrelas; tudo,
E também a convicção de que,
Mortos, nos levantamos,
Sonhamos e assim criamos
Translunar Paraíso.
Fiz as pazes
Com sábias coisas italianas
E altivas pedras gregas,
Imaginação de poeta
E lembranças de amor,
Lembranças de palavras femininas,
Todas essas coisas de que
Um homem faz um sobre-humano
Sonho semelhante a um espelho.

Como naquela seteira
As gralhas gralham e gritam,
E amontoam raminhos.
E depois de amontoados,
A mãe repousará
Sobre o buraco ao cimo,
Aquecendo o rude ninho.

Fé e orgulho deixo
Aos jovens que se erguem
E sobem a montanha,
Para ao romper do dia
Lançar o seu anzol;
Desse metal fui feito
Antes de o quebrar
Este ofício sedentário.

Agora edificarei a minha alma,
Exigindo-lhe estudo
Numa escola sábia
Até a ruína do corpo,
A lenta decadência do sangue,
Colérico delírio
Ou torpe decrepitude,
Ou os piores males que venham —
A morte dos amigos, ou a morte
Do brilho dos olhos
Que cortava a respiração —
Parecerem nuvens no céu
Quando o horizonte se desvanece;
Ou o sonolento grito de uma ave
Entre as sombras que se afundam.

Tradução de José Agostinho Baptista

quarta-feira, 11 de março de 2009

AFRODITE



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Afrodite, de Briton Riviere


EUGENIO MONTALE

A ENGUIA

A enguia, a sereia
dos mares frios que abandona o Báltico
para alcançar os nossos litorais,
os nossos estuários, os rios
que remonta pelo fundo da corrente adversa
de braço em braço, depois
de cabelo em cabelo, adelgaçando,
cada vez mais dentro, sempre
mais no coração da pedra, insinuando-se
entre o borbulhar do lodo até que um dia
a luz rompendo dos castanheiros
enche-a de chispas nos charcos de água morta,
das valas baixando
pelas escarpas dos Apeninos à Romanha;
a enguia, archote, látego,
flecha de Amor em terra
que só os nossos barrancos ou os secos riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
alma verde que procura
vida lá onde apenas
o andor morde a secura,
a cintilação que diz:
tudo começa quando já parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
íris breve, gêmea
daquela que engastam tuas pestanas
e fazes brilhar intacta entre os filhos
do homem, imersos no teu lodo - podes tu
não crer a tua irmã?

Tradução de Eugénio de Andrade

terça-feira, 10 de março de 2009

PROMETEU


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Prometeu, de Briton Riviere

RAINER MARIA RILKE


A PANTERA

(No Jardin des Plantes, Paris)

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.

Tradução de Augusto de Campos

segunda-feira, 9 de março de 2009

PROMETEU



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Prometeu acorrentado, de Nicolas-Sébastien Adam


GUILLAUME APOLLINAIRE

LAÇOS

Cordas feitas de gritos

Sons de sinos através da Europa
Séculos enforcados
Carris que amarrais nações
Não somos mais que dois ou três homens
Livres de todas as peias
Vamos dar-nos as mãos

Violenta chuva que penteia os fumos
Cordas
Cordas tecidas
Cabos submarinos
Torres de Babel transformadas em pontes

Aranhas-Pontífices
Todos os apaixonados que um só laço enlaçou

Outros laços mais firmes
Brancas estrias de luz
Cordas e Concórdia

Escrevo apenas para vos celebrar
Ó sentido ó sentidos caros
Inimigos do recordar
Inimigos do desejar

Inimigos da saudade
Inimigos das lágrimas
Inimigos de tudo o que eu amo ainda

Tradução de Jorge de Sena

domingo, 8 de março de 2009

ÉRATO

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Érato com sua Lira, de John William Godward

EUGENIO MONTALE

XENIA I

1


Querido pequeno inseto
que chamavam de mosca, não sei por quê,
esta tarde quase ao escurecer
enquanto lia o Segundo Livro de Isaías
reapareceste ao meu lado,
mas não tinhas óculos,
não podias me ver
nem podia eu sem aquela centelha
reconhecer-te no escuro.

2

Sem óculos nem antenas
pobre inseto que asas
só tinhas na imaginação,
uma bíblia em frangalhos e ainda por cima tão pouco
confiável, o negro da noite,
um relâmpago, um trovão e depois
nem mesmo a tempestade. Quem sabe,
te foste cedo demais sem mesmo uma
palavra? Mas é ridículo
pensar que ainda tivesses lábios.

3

No Saint-James em Paris terei que pedir
um quarto "de solteiro". (Não gostam
de hóspedes desacompanhados). E a mesma coisa também
na falsa Bizâncio de teu hotel
veneziano; para buscar logo depois
a cabine das telefonistas,
tuas amigas de sempre; e repartir,
gasta a corda,
o desejo de reaver-te, fosse
num gesto só ou em algo habitual.

4

Havíamos estudado para o além
um assobio, uma senha de reconhecimento.
Experimento reproduzi-lo na esperança
de já estarmos todos mortos sem saber.

5

Nunca cheguei a saber se eu era
o teu cão fiel e catarrento
ou tu o meu.
Para os outros, não, eras um inseto míope
perdido no blablablá
da grã-finagem. Eram ingênuos
aqueles espertos e não sabiam serem
eles o teu joguete:
mesmo no escuro vistos e desmascarados
por um teu senso infalível, por teu
radar de morcego.

6

Jamais pensaste em deixar traços
de ti em prosa ou verso. E este
foi o teu encanto - e mais tarde meu desgosto
[de mim mesmo.
Foi também o meu pavor: de vir a ser
relegado por ti ao limo coaxante
dos neoteroi.

7

Pena de si mesmo, angústia e pena infinita
de quem adora o aqui embaixo e espera e desespera
de um outro... (Quem ousa dizer um outro mundo?).
....................................................................................
"Estranha pena..." (Azucena, Segundo ato).

8

Tua palavra tão sofrida e desprotegida
resta a única que me sacia.
Mas mudou-se o acento, é outra sua cor.
Me habituarei a ouvir-te ou a decifrar-te
no tique-taque do telex,
na fumaça volúvel dos meus charutos
de Brissago.

9

Ouvir era tua única maneira de ver.
A conta do telefone se reduziu a bem pouco.

10

"Rezava?". "Sim, pedia a Santo Antônio
que a fizesse encontrar
sombrinhas perdidas e outros objetos
do guarda-roupa de São Hermes".
"Só por isso?". "Também pelos Seus mortos
e por mim".
"É o suficiente" disse o padre.

11

Recordar o teu choro (e o meu dobrado)
não chega a apagar o espocar de tuas risadas.
Eram como a antecipação de um Juízo Universal privado,
só teu, nunca ocorrido infelizmente.

12

A primavera desemboca com seu passo de toupeira.
Não mais te ouvirei falar de antibióticos
venenosos, da agarra de teu fêmur,
dos bens de fortuna de que um cobiçoso omisso
te depenou.

A primavera avança com suas névoas untuosas,
com suas longas luzes, suas horas insuportáveis.
Não mais te ouvirei lutar contra o regurgitar
do tempo, dos fantasmas, dos problemas logísticos
do Verão.

13

Teu irmão morreu cedo: tu eras
a menina despenteada que me olha
"fazendo pose" no oval de um retrato.
Ele escrevia músicas inéditas, inauditas,
hoje enterradas num baú ou quem sabe
trituradas. Talvez as reinvente
alguém sem se dar conta, se o que está escrito está escrito.

Eu o queria sem havê-lo conhecido.
Além de ti ninguém o recordava.
Não fiz pesquisas: agora é inútil.
Depois de ti tornei-me o único
para quem ele existiu. Mas é possível,
tu o sabes, amar uma sombra, sombras nós mesmos.

14

Dizem que a minha
é uma poesia de impertinência.
Mas se era tua pertencia a alguém:
a ti que não és mais forma e sim essência.
Dizem que no mais alto grau a poesia
exalta o Todo em fuga,
negam que a tartaruga
seja mais rápida que o raio.
Tu, apenas tu, sabias que o movimento
não difere da estase,
que o vazio é o pleno e o céu limpo
a mais difusa das nuvens.
Desta forma compreendo melhor tua longa viagem
prisioneira do gesso e das bandagens.
No entanto não me dá sossego
saber que sós ou juntos somos uma só coisa.

Tradução de Geraldo H. Cavalcanti