Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 4 de abril de 2009

JOSÉ LEZAMA LIMA


A PROVA DO JADE

Quando cheguei à subdividida casa
onde tanto poderia encontrar o falso
relógio de Potsdam os dias de visita
do enxadrista Von Palem, ou o periquito
de porcelana da Saxônia, favorito de Maria Antonieta.
Estava ali também, em sua caixa de pelúcia
negra e de algodão envolto em tafetá branco,
a pequena deusa de jade, com um grande ramo
que passava de uma para a outra mão mais fria.
Ascendi-a até a luz, era o antigo
raio de lua cristalizado, o gracioso bastão
com que os imperadores chins juravam o trono,
e dividiam o bastão em duas partes e a sucessão
milenária seguia subdividindo e sempre ficava o jade
para jurar, para dividir em duas partes,
para o yin e para o yang.
Mas o provador, ocioso de metais e de jarras,
me disse com sua cara rápida de coelho cor caramelo:
apóie-se na face, o jade sempre frio.
Senti que o jade era o interruptor,
o interposto entre o pascalino entre-deux,
o que suspende a afluência claroescura,
a espada para a luminosidade espelhante,
a sílaba detida entre o rio que impulsa
e o espelho que detém.
Dá prova de sua validez pelo frio,
isca para o coelho úmido.
Todas as jóias na lâmina do escudo:
matinal o coelho oscilando
seus bigodes sobre uma espiga de milho.
Que começos, que ouros, que trifólios,
o coelho, a rainha do jade, o frio que interrompe.
Mas o jade é também um carbúnculo entre o rio e o espelho,
uma prisão de água onde se espreguiça
o pássaro fogueira, desfazendo o fogo em gotas.
As gotas como peras, imensas máscaras
às quais o fogo ditou as escamas de sua soberania.
As máscaras feitas realezas pelas entranhas
que lhes ensinaram como o caracol
a extrair a cor da terra.
E a frieza do jade sobre as faces,
para proclamar sua realeza, seu peso verdadeiro,
seu rastro congelado entre o rio e o espelho.
Provar sua realidade pelo frio,
a graça de sua janela pela ausência,
e a rainha verdadeira, a prova do jade,
pela fuga da geada
em um breve trenó que traça letras
sobre o ninho das faces.
Fechamos os olhos, a neve voa.

Tradução de Haroldo de Campos

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