POEMA EM SEU ANIVERSÁRIO
No sol cor semente de mostarda
Junto ao caudaloso rio em declive e o ziguezague do mar
Onde correm os corvos-marinhos,
Em sua casa sobre estacas, entre os bicos
E o palavrório dos pássaros
Nesse dia como grão de areia na tumba arqueada da baía,
Ele celebra e desdenha
Seus trinta e cinco anos de despojos que o vento amadureceu;
As garças se aguçam e chuçam.
Abaixo e à sua volta fluem
Os linguados, as gaivotas, em suas frias e agônicas trilhas,
Cumprindo o que disseram,
Ruidosos maçaricos nas ondas apinhadas de moréias
Mourejam em seus caminhos para a morte,
E o poeta no quarto de esguia língua ferina,
Que tange o sino de seu aniversário,
Se esfalfa em direção à tocaia de suas chagas;
As garças, agulhas em riste, o abençoam.
No outono dos cardos,
Ele canta para a angústia; os tentilhões voam
Entre os rastros afiados dos falcões
Num céu de rapina; deslizam peixes miúdos
Pelas vielas e as conchas de cidades
Afogadas de barcos até os pastos de lontras submarinas.
Em sua oblíqua casa de suplícios
E nas puídas espirais de seu ofício, ele percebe
As garças que caminham em seu sudário.
A túnica infindável do rio
De vairões se tece ao redor de suas preces;
E lá longe, no mar, ele conhece
Aquele que escraviza o seu fim genuflexo
Sob uma nuvem de serpentes,
Mergulham golfinhos na poeira dos naufrágios,
As rugosas focas arremetem
Para matar e sua própria maré untada de sangue
Resvala suavemente em sua boca macia.
Num silêncio de onda, cavernoso
E oscilante, choram os alvos dobres do ângelus.
Trinta e cinco sinos brandiram seu repique
Sobre o crânio e a cicatriz onde jazem seus amores em ruínas,
Guiados por estrelas cadentes.
E o amanhã soluça numa jaula cega
Que o terror enfurecido há de isolar
Até que os grilhões se quebrem sob martelos em chamas
E o amor dilacere as trevas
E em liberdade ele se perca
Na famosa luz desconhecida do grande
E fabuloso Deus amado.
A treva é um caminho e a luz um lugar,
O céu que nunca existiu
Nem existirá jamais é sempre verdadeiro,
E, nesse espinhoso vazio,
Farto de amoras em seus bosques,
Os mortos crescem para o Seu júbilo.
Ali, desnudo, ele erraria
Com os espíritos da baía que se curva em ferradura
Ou os mortos na praia de estrelas,
Com a medula das águias, as raízes das baleias
E a fúrcula dos gansos selvagens,
Com o Deus abençoado que jamais nasceu e o Seu Espírito,
E com cada alma Seu sacerdote,
Enganada e cantante na jovem dobra do Céu,
Junto à trêmula paz das nuvens.
Mas a treva é um longo caminho.
Ele, sobre a terra da noite, a sós
Com tudo o que vive, reza,
Ele, consciente de que o vento faiscante há de soprar,
Lançando os ossos para além das colinas,
E que as pedras feridas à foice hão de sangrar, e as últimas
Águas despedaçadas pelo ódio hão de arremessar
Os mastros e os peixes às silenciosas estrelas vivas,
Sem nenhuma fé até Aquele
Que é a luz do velho e aéreo
Céu, onde as almas crescem selvagens
Como cavalos na espuma:
Oh, enluta-me na metade da vida junto às relíquias
E aos juramentos das garças-druidas
Durante a viagem que terei de fazer até a ruína,
Entre barcos desvalidos e encalhados;
Ainda que eu grite, todavia, com a língua quase a cair,
E conte em voz alta as minhas chagas:
Quatro são os elementos e cinco
Os sentidos, e o homem uma alma enamorada
Que se enreda através dessa lama rodopiante
Até chegar ao seu reino frio, coroado de sinos
E de enluaradas cúpulas perdidas,
E o mar que oculta suas secretas criaturas
Nas profundezas de seus negros ossos abjetos,
Acalanto de astros na carne calcária do mar,
E essa Suprema bênção derradeira,
Pois quanto mais caminho
Para a morte, um homem com os cascos gretados,
Mais sonoro o sol floresce
E o mar confuso e esquartejado exulta;
E cada onda no caminho
E cada vendaval que enfrento, e todo o mundo então,
Com a fé mais triunfante
Do que nunca desde que se proclamou o mundo,
Faz girar sua manhã de louvores,
Ouço as colinas ondulantes
Inflar-se de cotovias e reverdecer no outono
Turvo de amoras, e as cotovias do orvalho cantam
Mais alto que essa primavera trovejante
E as ferozes ilhas de alma humana
Quanto mais próximas dos anjos flutuam!
Oh, seus olhos tornam-se então mais sagrados
E meus homens cintilantes não estão sós
Enquanto eu navego para a morte.
Tradução de Ivan Junqueira
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