Tomás Antônio Gonzaga
CARTAS CHILENAS
CARTA SEGUNDA
(excerto)
O povo, Doroteu, é como as moscas
Que correm ao lugar, aonde sentem
O derramado mel, é semelhante
Aos corvos e aos abutres, que se ajuntam
Nos ermos, onde fede a carne podre.
À vista, pois, dos fatos, que executa
O nosso grande chefe, decisivos
Da piedade que finge, a louca gente
De toda a parte corre a ver se encontra
Algum pequeno alivio à sombra dele.
Não viste, Doroteu, quando arrebenta
Ao pé de alguma ermida a fonte santa,
Que a fama logo corre e todo o povo
Concebe que ela cura as graves queixas.
Pois desta sorte entende o néscio vulgo
Que o nosso general lugar-tenente,
Em todos os delitos e demandas,
Pode de absolvição lavrar sentenças.
Não há livre, não há, não há cativo
Que ao nosso Santiago não concorra.
Todos buscam ao chefe e todos querem,
Para serem bem vistos, revestir-se
Do triste privilégio de mendigos.
Um as botas descalça, tira as meias
E põe no duro chão os pés mimosos;
Outro despe a casaca, mais a veste
E de vários molambos mal se cobre;
Este deixa crescer a ruça barba,
Com palhas de alhos se defuma aquele;
Qual as pernas emplastra e move o corpo
Metendo nos sobacos as muletas;
Qual ao torto pescoço dependura,
Despido, o braço que só cobre o lenço;
Uns, com bordão, apalpam o caminho,
Outros, um grande bando lhe apresentam
De sujas moças, a quem chamam filhas.
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