Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

segunda-feira, 27 de abril de 2009

DYLAN THOMAS


NA COXA DO GIGANTE BRANCO

Por entre as gargantas onde cruzam muitos rios, gritam os maçaricos,
Sob a lua fecundada no topo da alta colina de gesso,
E ali, nessa noite, passeio na coxa do Gigante Branco
Onde mulheres estéreis como rochas jazem quietas e ansiosas

Por trabalhar e amar, embora há muito estejam prostradas.

Por entre as gargantas onde cruzam muitos rios, as mulheres rezam,
Rogando na rasa baía para que se derramem as sementes,
Embora a chuva haja apagado os nomes em suas pedras cobertas de ervas,
E sozinhas no eterno e recurvo transcurso da noite
Elas suspiram com suas línguas de aves aquáticas pelos inconcebidos
Filhos imemoriais da esmurrada colina feita em pedaços.

Elas, que certa vez no inverno de penas de ganso amaram todo o gelo
abandonado
Nas veredas dos cortesãos, ou se enroscaram sob o touro abrasador do sol
Nas carroças com cargas tão altas que os feixes de feno
Se grudavam às nuvens pendentes, ou que alegres se deitavam com alguém
Tão jovem quanto elas à luz recém-ordenhada da lua
Sob todas as formas iluminadas da fé, e suas anáguas enluaradas se erguiam
Com a ventania, ou se assustavam com os jovens e ásperos ginetes,
Agora me oprimem contra os seus grãos na gigantesca clareira do bosque,
Elas, que certa vez, para além dos verdes campos, floresciam qual sebes de alegrias.

Há tempos, seu pó foi carne que o astuto porqueiro farejava,
Incendiada no mau cheiro da pocilga nupcial pela impetuosa
Luz de suas coxas, distendidas sob o céu da esterqueira,
Ou por seu pomareiro, nas entranhas do arbusto solar,
Suas madeixas gordurosas eram ásperas como línguas de vaca e cortadas como sarças,
Sob seu verão implacável, como farpas de ouro enfiadas até os ossos,
Ou ondulavam macias como seda no arvoredo lunar
E atiravam pedrinhas no alvo lago que ecoava qual harpa de granizo.

Elas, que outrora foram uma floração de noivas às margens do caminho
da casa dos pilriteiros
E ouviam o campo lascivo e cortejado fluir para as próximas geadas
E o guincho dos empeliçados fradinhos em fuga, ao extinguir-se
O dia, nas naves de cardos, até que a coruja branca cruzasse

Por seu peito, e escutavam o rumor das corças saltitantes, os cervos a subir
Velozes pelo bosque, ante o apelo do amor, lá, onde fumega uma tocha
de raposas.
A todos os pássaros e bestas da noite encadeada elas ouviam repicar em alvoroço
E a toupeira de focinho obtuso a peregrinar sob as cúpulas.

Ou, roliças e untuosas guardadoras de gansos, saltitavam sobre a palha
de uma carroça,
Com os seios túmidos de mel, sob o seu ganso soberano
Que as açoitava com as asas no celeiro sibilante, perdido no passado
E já extinta aquela negra cevada sobre a qual seus tamancos dançavam
na primavera,
E em seus cabelos os grampos luziam como pirilampos, e as medas giravam

(Mas nada nascia, nenhum bebê sugava as veias das colméias,
E desnudas e estéreis na terra da Mãe Ganso
Eram elas, com os humildes aldeãos, unia pedreira de esposas)

Agora o maçarico implora que eu me incline para beijar os lábios de seu pó.

De lá para cá, o rebuliço de suas chaleiras e relógios oscila
Onde agora o feno cavalga ou as cozinhas de samambaias criam mofo
Como o arco das ceifeiras que aparavam as sebes a relâmpagos
E cortavam os ramos dos pássaros avermelhados pela seiva trovadora.
Vindas das casas em que se ajoelham as colheitas, elas me apertam,
Elas, que ouviram dobrar os ruidosos sinos nos domingos dos mortos
E a chuva que escorria de suas línguas no cemitério enevoado,
Ensinam-me que o amor é sempre verde depois que o outono semeia folhas
Sobre o túmulo, depois que o Amado, sobre a cruz enterrada na relva,
Seja varrido pelo sol e as Filhas já não se lamentem
Salvo pelos que há muito as desejam nas ruas em que a raposa deu à luz
Ou ao sentir-se famintas no bosque esfacelado: a tais mortos
Sadios e imortais é que amam as mulheres da colina
Em seu eterno apogeu em meio às árvores dos cortesãos

E as filhas da treva flamejam, todavia, como as fogueiras de Fawkes.

Tradução de Ivan Junqueira

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