Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sábado, 29 de novembro de 2008

OLIVERIO GIRONDO


reprodução

Oliverio Girondo


CANSAÇO

Cansado.
Sim!
Cansado
de usar um só baço,
dois lábios,
vinte dedos,
não sei quantas palavras,
não sei quantas memórias,
acinzentadas,
fragmentárias.

Cansado,
muito cansado
deste frio esqueleto,
tão pudico,
tão casto,
que quando se desnude
não saberá se é o mesmo
que usei enquanto vivia.

Cansado.
Sim!
Cansado
por precisar de antenas,
de um olho em cada omoplata
e de uma verdadeira cauda,
alegre,
desatada,
e não este rabo hipócrita,
degenerado,
anão.

Cansado,
sobretudo,
de sempre estar comigo,
de achar-me a cada dia,
quando termina o sonho,
ali, onde me encontre,
com as mesmas narinas
e com as mesmas pernas;
como se não desejasse
esperar o rompante com uma pele de praia,
oferecer, ao orvalho, dois seios de magnólia,
acariciar a terra com um ventre de lagarta,
e viver, uns meses, dentro de uma pedra.

Tradução de Marcilio Medeiros

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