Um caderno de leituras

"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"

Safo

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

EUGENIO MONTALE

divulgação
Eugenio Montale

VENTO E BANDEIRAS

A ventania que alçou o amargo aroma
do mar às espirais dos vales,
e te assaltou, desgrenhou teu cabelo,
novelo breve contra o pálido céu;

a rajada que colou teu vestido
e rápida te modulou à sua imagem,
como voltou, tu longe, a estas pedras
que o monte estende sobre o abismo;

e como passada a embriagada fúria
retoma agora ao jardim o hálito submisso
que te ninou, estirada na rede,
entre as árvores, nos teus vôos sem asas.

Ai de mim! O tempo nunca arranja duas vezes
de igual maneira suas contas! E é esta a
nossa sorte: de outra maneira, como na natureza,
nossa história se abrasaria num relâmpago.

Surto sem igual, — e que agora traz vida
a um povoado que exposto
ao olhar na encosta de um morro
se paramenta de galas e bandeiras.

O mundo existe... Um espanto pára
o coração que sucumbe aos espíritos errantes,
mensageiros da noite: e não pode acreditar
que homens famintos possam ter sua festa.

Talvez uma manhã andando num ar de vidro,
voltando-me, verei cumprir-se o milagre:
o nada às minhas costas, detrás de mim
o vazio, com um terror de bêbedo.

Depois como numa tela, acamparão de um jato
árvores casas colinas para a ilusão costumeira.
Mas será tarde e eu partirei calado
entre os homens que não se voltam, com o meu segredo.

Tradução de Geraldo H. Cavalcanti

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