Um caderno de leituras
"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"
Safo
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vinde, vinde agora"
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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
FEDERICO GARCIA LORCA
PRANTO POR INÁCIO SANCHEZ MEJÍAS
À minha querida amiga Encarnación López Julvez
1. A CAPTURA E A MORTE
Às cinco horas da tarde.
Eram cinco da tarde em ponto.
Um menino trouxe o branco lençol
às cinco horas da tarde.
Uma esporta de cal já prevenida
às cinco horas da tarde.
O mais era morte e somente morte
às cinco horas da tarde.
O vento levou os algodões
às cinco horas da tarde.
E o óxido semeou cristal e níquel
às cinco horas da tarde.
Já lutam a pomba e o leopardo
às cinco horas da tarde.
E uma coxa para um chifre destroçada
às cinco horas da tarde.
Começaram os sons do bordão
às cinco horas da tarde.
Os sinos de arsênico e a fumaça
às cinco horas da tarde.
Nas esquinas grupos de silêncio
às cinco horas da tarde.
E o touro com todo o coração, para a frente!
às cinco horas da tarde.
Quando o suor de neve foi chegando
às cinco horas da tarde,
quando a praça se cobriu de iodo
às cinco horas da tarde,
a morte botou ovos na ferida
às cinco horas da tarde.
Às cinco horas da tarde.
Às cinco em ponto da tarde.
Um ataúde com rodas é a cama
às cinco horas da tarde.
Ossos e flautas soam-lhe ao ouvido
às cinco horas da tarde.
Por sua frente já mugia o touro
às cinco horas da tarde.
O quarto se irisava de agonia
às cinco horas da tarde.
De longe já se aproxima a gangrena
às cinco horas da tarde.
Trompa de lírio pelas verdes virilhas
às cinco horas da tarde.
As feridas queimavam como sóis
às cinco horas da tarde,
e as pessoas quebravam as janelas
às cinco horas da tarde.
Às cinco horas da tarde.
Ai que terríveis cinco horas da tarde!
Eram cinco horas em todos os relógios!
Eram cinco horas da tarde em sombra!
2. O SANGUE DERRAMADO
Não quero vê-lo!
Dize à lua que venha,
que não quero ver o sangue
de lgnacio sobre a areia.
Não quero vê-lo!
A lua de par em par.
Cavalo de nuvens quietas,
e a praça cinza do sonho
com salgueiros nas barreiras.
Não quero vê-lo!
Que se me queima a recordação.
Avisai aos jasmins
com sua brancura pequena!
Não quero vê-lo!
A vaca do velho mundo
passava a língua triste
sobre um focinho de sangues
derramados sobre a areia,
e os touros de Guisando,
quase morte e quase pedra,
mugiram como dois séculos
fartos de pisar a terra.
Não.
Não quero vê-lo!
Pelos degraus sobe Ignacio
com toda sua morte às costas.
Buscava o amanhecer,
e o amanhecer não era.
Busca o seu perfil seguro,
e o sonho o desorienta.
Buscava o seu formoso corpo
e encontrou seu sangue aberto.
Não me digais que o veja!
Não quero sentir o jorro
cada vez com menos força;
esse jorro que ilumina
os palanques e se verte
sobre a pelúcia e o couro
de multidão sedenta.
Quem grita que eu apareça?
Não me digais que o veja!
Não se fecharam seus olhos
quando viu os chifres perto,
mas as mães terríveis
levantaram a cabeça.
E através das manadas,
houve um ar de vozes secretas
que gritavam a touros celestes,
maiorais de pálida névoa.
Não houve príncipe em Sevilha
que comparar-se-lhe possa,
nem espada como a sua espada
nem coração tão deveras.
Como um rio de leões
sua maravilhosa força,
e como um torso de mármore
sua marcada prudência.
Um ar de Roma andaluza
lhe dourava a cabeça
onde seu riso era um nardo
de sal e de inteligência.
Que grande toureiro na praça!
Que grande serrano na serra!
Quão brando com as espigas!
Quão duro com as esporas!
Quão temo com o rocio!
Quão deslumbrante na feira!
Quão tremendo com as últimas
bandarilhas tenebrosas!
Porém já dorme sem fim.
Já os musgos e já a erva
abrem com dedos seguros
a flor de sua caveira.
E o sangue já vem cantando:
cantando por marismas e pradarias,
resvalando por chifres enregelados,
vacilando sem alma pela névoa,
tropeçando com cascos aos milhares
como uma longa, escura, triste língua,
para formar um charco de agonia
junto ao Guadalquivir das estrelas.
Oh! branco muro de Espanha!
Oh! negro touro de pena!
Oh! sangue duro de lgnacio!
Oh! rouxinol de suas veias!
Não.
Não quero vê-lo!
Não há cálice que o contenha,
não há andorinhas que o bebam,
não há escarcha de luz que o esfrie,
não há canto nem dilúvio de açucenas,
não há cristal que o cubra de prata.
Não.
Eu não quero vê-lo!!
Tradução de: não identificado
Cópia a partir do site do Projeto “Lorca na Rua”, do SESC/SP
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