Bocage
SONETO
Grato silêncio, trêmulo arvoredo,
Sombra propícia aos crimes, e aos amores,
Hoje serei feliz! - longe, temores,
Longe, fantasmas, ilusões do medo.
Sabei, amigos Zéfiros, que cedo,
Entre os braços de Nise, entre estas flores,
Furtivas glórias, tácitos favores,
Hei-de enfim possuir: porém segredo !
Nas asas frouxos ais, brandos queixumes
Não leveis, não façais isto patente,
Que nem quero que o saiba o pai dos numes:
Cale-se o caso a Jove onipresente,
Porque se ele o souber, terá ciúmes,
Vibrará contra mim seu raio ardente.
SONETO DO EPITÁFIO
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole "sub-venites" em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;
Passou vida folgada, e milagrosa;
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".
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