Um caderno de leituras
"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"
Safo
"esguias Graças, Musas de mais magas tranças,
vinde, vinde agora"
Safo
domingo, 21 de agosto de 2011
GEIR CAMPOS
A ÁRVORE
Ó árvore, quantos séculos levaste
a aprender a lição que hoje me dizes:
o equilíbrio, das flores às raízes,
sugerindo harmonia onde há contraste?
Como consegues evitar que uma haste
e outra se batam, pondo cicatrizes
inúteis sobre os membros infelizes?
Quando as folhas e os frutos comungaste?
Quantos séculos, árvore, de estudos
e experiências – que o vigor consomem
entre vigílias e cismares mudos –
demoraste aprendendo o teu exemplo,
no sossego da selva armada em templo,
E dize-me: há esperança para o Homem?
domingo, 14 de agosto de 2011
TORQUATO NETO
LET'S PLAY THAT
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
Era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that
GUILLAUME APOLLINAIRE
A carpa
Carpas, viveis tão longa vida
Nesses viveiros de água fria!
Será que a morte vos olvida,
Ó peixes da melancolia.
Tradução de R. Magalhães Júnior
Carpas, viveis tão longa vida
Nesses viveiros de água fria!
Será que a morte vos olvida,
Ó peixes da melancolia.
Tradução de R. Magalhães Júnior
sábado, 26 de março de 2011
ANA HATHERLY
AS ANTIGAS DAMAS JAPONESAS
As antigas damas japonesas
Distraidamente
Agitavam seus leques
No solitário mundo dos biombos
A distracção
Porém
É uma forma superior de ocultação
E
Na aridez
Do seu íntimo domado
O rugido da raiva
Estava contido
Artisticamente comprimido
No extravagante cinto
Que traziam
Atado nas costas
Tocavam
Dançavam
Serviam o chá de joelhos
Num secular sequestro
Mas às vezes
Num intervalo do desvelo
Da honra e do pudor
Descobriam
O esquisito sabor
Que tem o crime.
JOSÉ LUIS HIDALGO
reprodução
José Luis Hidalgo
SE SOUBESSE, SENHOR...
Se soubesse, Senhor, que Tu me esperas
na borda implacável da morte,
iria a tua luz, como uma lança
que atravessa a noite e nunca volta.
Porém sei que não estás, que viver só
é sonhar com teu ser, inutilmente,
e sei que, quando eu morra, é que Tu mesmo
Terás morrido com a minha morte.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
CASSIANO RICARDO
reprodução
Cassiano Ricardo
A FÍSICA DO SUSTO
O espelho caiu a parede.
Caiu com ele o meu rosto.
Com o meu rosto a minha sede.
Com a minha sede eu desgosto.
O meu desgosto de olhar,
no espelho caído, o meu rosto.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
FREI CANECA
Frei Caneca
DÉCIMA
Se amor vive além da morte,
Eterno o meu há de ser;
Se amor dura só na vida,
Hei de amar-te até morrer.
Glosa
Que um peito, Analia, sensível,
Desses teus olhos ferido
Não te caia aos pés rendido,
Me parece um impossível.
Antes só tenho por crível
Que todo a ti se transporte,
E te preste amor tão forte,
Em teu serviço jucundo,
Que te ame além do mundo,
Se amor vive além da morte.
Desses teus olhos ferido
Não te caia aos pés rendido,
Me parece um impossível.
Antes só tenho por crível
Que todo a ti se transporte,
E te preste amor tão forte,
Em teu serviço jucundo,
Que te ame além do mundo,
Se amor vive além da morte.
Por essa força atrativa,
Que em ti pôs a natureza,
Minha alma d'antes ilesa
Já de ti se vê cativa.
De amor n'uma chama viva
O peito sinto-me arder;
E se posso hoje prever
Os sucessos do futuro,
Entre os fogos de amor puro
Eterno o meu há de ser.
Que em ti pôs a natureza,
Minha alma d'antes ilesa
Já de ti se vê cativa.
De amor n'uma chama viva
O peito sinto-me arder;
E se posso hoje prever
Os sucessos do futuro,
Entre os fogos de amor puro
Eterno o meu há de ser.
Mais forte que o gordiano,
É o nó que a ti me prende;
Fica certa, que o não fende
Da morte o ferro tirano;
Por que trazer-te-hei de ufano
No fundo d'alma esculpida,
Ou ao nada reduzida
Deve ser a minha essência;
Que nego a sobrevivência,
Se amor dura só na vida.
É o nó que a ti me prende;
Fica certa, que o não fende
Da morte o ferro tirano;
Por que trazer-te-hei de ufano
No fundo d'alma esculpida,
Ou ao nada reduzida
Deve ser a minha essência;
Que nego a sobrevivência,
Se amor dura só na vida.
Em ambas suposições
Não és de mim separada;
Que me estais amalgamada
Da mente nas sensações:
E pois modificações
Só por si não podem ser,
Hás de eterna em mim viver,
Se eu tenho uma alma imortal;
Ou, se ela é material,
Hei de amar-te até morrer.
Não és de mim separada;
Que me estais amalgamada
Da mente nas sensações:
E pois modificações
Só por si não podem ser,
Hás de eterna em mim viver,
Se eu tenho uma alma imortal;
Ou, se ela é material,
Hei de amar-te até morrer.
domingo, 19 de setembro de 2010
TRISTAN CORBIÈRE
reprodução
Tristan Corbière
PAISAGEM MÁ
Praias de ossos. A onda estertora
Seus dobres, som a som, na areia.
Palude pálido. O luar devora
Grandes vermes – é a sua ceia.
Torpor de peste: somente a febre
Coze… O duende danado dorme.
A erva que fede vomita a lebre,
Bruxa medrosa que se some.
A lavadeira branca junta os
Trapos surrados dos defuntos,
Ao sol dos lobos… E os sapos. Ei-los,
Anões de vozes melancólicas,
Que envenenam com suas cólicas,
Os cogumelos, seus escabelos.
Tradução de Augusto de Campos
Os cogumelos, seus escabelos.
Tradução de Augusto de Campos
domingo, 29 de agosto de 2010
CARLOS PENA FILHO
PARA FAZER UM SONETO
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere pelo instante ocasional.
Nesse curto intervalo, Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial.
Aí, adote uma atitude avara:
se você preferir a cor local,
não use mais que o sol de sua cara
e um pedaço de fundo de quintal.
Se não, procure a cinza e essa vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse;
antes, deixe levá-lo a correnteza.
Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza,
ponha tudo de lado e então comece.
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